A Morgadinha dos Cannaviaes. Dinis Júlio
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Название: A Morgadinha dos Cannaviaes

Автор: Dinis Júlio

Издательство: Public Domain

Жанр: Зарубежная классика

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СКАЧАТЬ familia, premio e estimulo á intelligencia e á applicação de uma creança, que promettia vir a ser… Deus sabe o quê.

      Ninguem se lembrou de perguntar a si proprio se a clausula, posta pela legataria como condição á concessão do beneficio, não podia ser uma crueldade que o annullasse; se comprar um futuro por dinheiro, sem querer saber a quantidade de aspirações, de esperanças, de phantasias que sejam, a que se tem de renunciar pelo contracto, não é uma iniquidade; se não era uma quasi simonia ir a casa do pobre, e fazendo luzir os reflexos do ouro nas sombras da miseria, propôr-lhe trocar por estes thesouros, que o fascinam, os valiosos thesouros da alma. Eu por mim abomino estes legados condicionaes, que um espirito malevolo, egoista e desejoso de dominar ainda depois da morte, tantas vezes dicta; essas meigas generosidades são ás vezes a causa do infortunio de uma vida inteira; acceites ou recusadas, é raro que depois, a cada provação que nos experimenta, uma voz interior nos não exprobre o partido que abraçamos. – «Louco! para que hesitaste em trocar meia duzia de phantasmas por um bem real? Quem te mandou sacrificar a vaporosos idolos de poetas o beneficio que te offereciam?» – dirá ella aos que rejeitaram o pacto. – «Ambicioso! – clamará aos outros – ahi tens a felicidade que julgaste comprar á custa do que ha de mais nobre na alma humana; embriaga-te agora no incenso, em que envolveste o altar do bezerro de ouro, consumindo ahi as tuas mais santas e generosas aspirações.» Augusto não adivinhou porém logo a crueldade da disposição testamentaria. Era muito creança ainda; e depois uma ideia nobre o preoccupou; comprehendeu que ia ser o amparo d'aquella pobre mãe, que só podia abrigal-o com os extremos do seu muito amor. Seu pae, morrendo, apenas conseguira deixar uma herança; foi á viuva o dever de velar pelo filho. Augusto exultou vendo que podia inverter aquelle legado, velando elle pela fraca mulher, que, para bem o cumprir, esgotaria de certo a vida.

      Redobrou por isso a solicitude no aprender; desenvolveu-se mais e mais a intelligencia, quasi espontaneamente, pois justo é confessar que bem rudes eram os cuidados de cultura que o velho magister lhe sabia dar. Mas quem ignora os surprehendentes effeitos que da intelligencia e do estudo, da aptidão e da vontade, podem resultar? Dotem um homem d'essas duas faculdades poderosas e neguem-lhe embora os meios de progresso, elle caminhará, inventando-os primeiro, se tanto lhe fôr preciso.

      E depois, é um grande alento aos espiritos superiores a consciencia de uma nobre missão a cumprir. Não ha fadigas que tal estimulo não vença; abnegação, que não inspire.

      A Augusto era-lhe incitamento a ideia de que sua mãe precisava d'elle.

      Quando ainda aos seus treze annos fôsse já bem conhecida a grandeza dos sacrificios que lhe exigiam, não hesitaria talvez, instigado por aquella aspiração; quanto mais que ainda mais lhe tinham animado os sonhos, as doces imagens, tão gratas ao coração do adolescente, e a que teria de renunciar.

      Suspirava por o dia do seu primeiro exame, o qual, graças aos esforços empregados, não se fez esperar muito.

      Quando se approximava a occasião, o pae de Magdalena mandou vir Augusto para Lisboa e hospedou-o em sua casa até que chegou o dia.

      Não confiando demasiadamente no ensino publico da aldeia, o conselheiro quiz que o seu pequeno hospede recebesse algumas lições de um professor da cidade, e d'este obteve as melhores informações da intelligencia do rapaz, que só por milagre d'ella conseguira sair muito pouco eivado dos vicios do ensino de campo.

      Augusto demorou-se algumas semanas em casa do conselheiro. A final fez o exame, no qual foi felicissimo, obtendo n'elle as mais distinctas qualificações.

      Imagine-se o effeito que a noticia produziu na aldeia. Exaggerando-se, dizia-se por lá que em toda Lisboa corria a fama do rapaz, e houve até quem não hesitasse em affirmar que a creança confundira os mestres, que fôra uma maravilha.

      O mestre-escola reclamou para si a gloria do acontecimento, fundando-se em que, através do discipulo, resplandecia a sciencia do mestre.

      Os invejosos disputavam-lhe porém tão inquestionavel gloria e riam-se d'elle.

      A pobre mãe, essa, levou todo o dia a chorar de prazer e a render graças á Virgem, a quem tanto encommendára o filho.

      Voltou Augusto á terra.

      Era o rapaz o assumpto de todas as conversas: olhavam-o como um prodigio. Todos o queriam vêr, como se até alli o não tivessem visto bem, e de feito todos o foram vêr; nem o abbade, nem o administrador, nem o presidente da camara faltaram. Foi tudo. Pois bem, de tantos que o viram, não houve um só que não notasse que o pequeno vinha triste.

      Ninguem contestava o facto: que elle como que saltava aos olhos; as interpretações é que variavam.

      – Aquillo é dos ares de Lisboa; a quem não está costumado… dizia um.

      – São canceiras de estudos – aventava outro. – Ha lá coisa que puxe mais por uma pessoa do que o estudo!

      – Não que vocês cuidam! Um exame sempre abala a gente cá por dentro – dizia um doutor, que levára dez annos a vencer um curso de cinco.

      Fôsse pelo que fôsse, Augusto trouxera de Lisboa uma melancolia, que os ares da sua terra não dissiparam e que augmentava sempre que lhe falavam no futuro e no legado da morgada.

      Quem mais a estudou, e sentiu aquella subita melancolia, foi, como era de suppôr, a receiosa mãe. Deus sabe que noites mal dormidas, que sustos e que intimos terrores ella lhe causou! Perguntas, supplicas, arguições, lagrimas, promessas, nada tiravam de Augusto, que teimava em responder que nada tinha que o affligisse, que era a illusão de quem o via a tristeza que lhe suppunham, e, para confirmar o que dizia ria; mas era mais triste aquelle riso, do que o pranto, em que se desafogasse.

      Para breve estava a entrada de Augusto no collegio de Lisboa, onde, á custa do legado da defuncta proprietaria dos Cannaviaes, devia continuar nos seus estudos, quando o rapaz pediu para ficar algum tempo na aldeia. Não se pôde atinar com os motivos d'este pedido. Indolencia não era; pois no entretanto começou a estudar os rudimentos do latim com o illustre professor, que o leitor conhece já, mestre Bento Pertunhas.

      A saude vacillante da mãe de Augusto declinou n'esse inverno; o que veio dar outro motivo á demora do filho.

      Dias e dias passou o pobre rapaz sentado á cabeceira do leito dividindo os seus cuidados entre o estudo e os carinhos pela estremecida enferma. Dois annos se passaram d'esta vida, e quando, ao fim d'elles, Augusto abandonou aquelle leito, foi depondo um beijo nas faces geladas de um cadaver.

      Era orphão.

      A vaga sombra de melancolia, que já lhe toldava o rosto, condensou-se-lhe mais então. Era quasi um negrume de tristeza.

      Por esse tempo, veio o conselheiro trazer Magdalena para a aldeia, pois receiava pela saude d'ella se persistisse em Lisboa.

      O conselheiro propunha-se levar comsigo Augusto, quando voltasse a Lisboa. Uma manhã, porém, este, de pouco mais de quinze annos, procurou-o e disse-lhe com uma gravidade, que revelava uma tenção meditada e irrevogavel:

      – Venho prevenir v. ex.a de que desisto do legado da sr.a morgada. Não quero ordenar-me.

      O conselheiro fitou-o, estupefacto.

      – Não queres ordenar-te! Por quê?..

      – Já não tenho mãe a quem amparar. Por ella forçaria a minha vocação sem remorsos; por interesse proprio não o posso fazer; parece-me um sacrilegio.

      O conselheiro era um homem muito do seculo. O seu СКАЧАТЬ