Название: A Morgadinha dos Cannaviaes
Автор: Dinis Júlio
Издательство: Public Domain
Жанр: Зарубежная классика
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– Olhe que não estamos em Lisboa, primo Henrique. Repare para essas arvores e refreie o sestro galanteador, com que está.
– Por quem é! Não leve o rigor a tal extremo. Tão injusta é comsigo, que se recuse a acceitar, como naturaes e sinceras, as phrases que a sua presença inspira?
– Ai, meu Deus, como refina! Veja como essa creança, que tem no collo, o está encarando com os olhos espantados. Se ella nunca ouviu falar assim aqui!
Henrique beijou as faces da creança, movimento em que não ia uma intenção menos lisonjeira do que nas phrases que dissera, porque elle percebia que Magdalena era extremosa pelos seus pequenos primos.
Abriu-se, n'este meio tempo, a porta da sala, e entrou, saltando, outra creança mais crescida, mas ainda de vestidos curtos, trazendo na mão uma folha de papel.
– Lena – dizia ella em alta voz. – Olha; queres vêr o que o sr. Augusto só me emendou hoje no thema francez?
Chegando ao meio da sala, parou a olhar com estranheza para Henrique.
– É o sr. Henrique de Souzellas – disse Magdalena. – O hospede da tia Dorothéa. Esta é Marianna, outra de minhas primas – accrescentou, voltando-se para Henrique. – Já vê que não faltam creanças n'esta casa; e ainda ha mais. É o que lhe dá o ar alegre que tem.
Marianna cumprimentou Henrique e não se constrangeu por mais tempo; mostrando á prima a composição que o mestre lhe emendára, disse:
– Ora vê que não tive muitos erros.
Magdalena sorria, examinando o thema.
Henrique ia a fazer não sei que pergunta a Marianna, quando á mesma porta, por onde ella entrára, appareceu o mestre, de quem se falava.
Augusto, que assim se chamava o recem-chegado, era um rapaz de pouco mais de vinte annos de idade; de rosto pallido e physionomia intelligente.
Ninguem adivinharia n'aquelle typo um mestre-escola de aldeia.
Trajava com simplicidade, porém com asseio e gôsto, e havia em toda a sua figura certo ar de distincção, que feria quem pela primeira vez o visse.
N'um leve pendor de cabeça, no olhar penetrante e fixo, e nos labios, como habituados a fecharem-se á saida dos pensamentos intimos, lia-se o caracter pouco expansivo d'aquelle adolescente.
Magdalena dirigiu-lhe a palavra, em tom de manifesta deferencia.
– Como vão os seus discipulos, sr. Augusto?
– Optimamente, minha senhora – respondeu o interrogado.
– O sr. Augusto – disse Magdalena, apresentando-o a Henrique – o primeiro mestre de meu irmão Angelo e hoje mestre de Marianna e Eduardo.
– Esquece-se, minha senhora, – accrescentou Augusto – que de Angelo sou discipulo tambem, e mais discipulo do que fui mestre.
– Do que me esqueci, e, a falar a verdade, não devia, foi de que de Angelo é effectivamente mais do que mestre, é amigo; assim como de todos nós. Este senhor – continuou ella, concluindo a apresentação – é o senhor Henrique de Souzellas, que se esperava em Alvapenha; é ainda nosso primo.
Os dois cortejaram-se com affavel delicadeza.
– Teve carta de Angelo? – perguntou em seguida a morgadinha.
– Não recebi ainda o correio de hoje.
– Nem nós; e é de estranhar que meu pae pelo menos não me escrevesse! Angelo não virá passar a festa comnosco? Pobre rapaz! Parece que renasce quando se vê aqui. É uma perfeita creança então.
Eduardo, outro primo de Magdalena, que Henrique ainda não vira, entrou n'este momento na sala, trazendo um masso de cartas na mão. Depois de cumprimentar Henrique, a quem Magdalena o apresentou, disse para Augusto:
– A mamã deu-me essas cartas para o sr. Augusto escolher d'ahi aquellas que eu pudesse ler.
– Eu verei devagar – disse Augusto, guardando-as n'uma pasta que trazia.
– Ah! já temos o Eduardo a ler cartas! – disse a morgadinha, afagando o primo.
– Pelo que vejo – disse Henrique de Souzellas, vendo Augusto em disposições de partir – tem uma vida muito occupada?
– E tanto que sou obrigado a pedir licença para me retirar. Tenho de ir esta tarde a casa do Seabra…
– Ai, lecciona ainda as pequenas do brazileiro? – perguntou Magdalena.
– Ainda, sim, minha senhora.
– E como vão essas mulatinhas?
Augusto encolheu os hombros, sorrindo; gesto que não devia lisonjear a vaidade do sobredicto brazileiro, se tomasse a peito os dotes intellectuaes das referidas mulatinhas.
Passados segundos, Augusto retirou-se, apertando a mão a Magdalena que familiarmente lh'a estendeu, e a Henrique, que a imitou.
– Ia apostar que vae alli uma intelligencia – disse Henrique ao vêl-o sair – algum d'esses grandes espiritos, que vivem e morrem ignorados e improductivos, porque os não aquece o sol do favor publico, nem os bafeja a aura da moda caprichosa. É terra de maravilhas esta, ao que estou vendo.
– É um rapaz intelligente, é – disse a morgadinha – e uma alma generosa. Desde tenra idade costumou-se a trabalhar. Não tem familia. O pae foi um pobre e honrado advogado de um logar perto d'aqui, que morreu quasi na miseria, deixando-o por educar. A mãe, que era d'estes sitios, para ahi veio, depois que viuvou. Elle tem sido, pode dizer-se, mestre de si mesmo. Dirigiu os primeiros estudos de Angelo e hoje é o seu melhor amigo. A morgada, minha madrinha, legou-lhe um patrimonio para elle se ordenar: não quiz, e preferiu ser mestre-escola. Meu pae, que lhe reconhecia intelligencia para mais, tentou dissuadil-o d'isso, mas nada conseguiu. Não ha quem o arranque d'estes sitios.
– Prende-o talvez alguma paixão?
– Não sei. É certo que é um professor modelo. O seu primeiro despacho foi temporario; agora, porém, espera meu pae fazel-o effectivo; para o que já elle fez novo concurso. Já vê que ambições são as d'este rapaz.
– Na verdade! com muito menos fundamentos ha quem aspire a ser ministro. Mas com certeza o coração entra como elemento no problema d'esse caracter.
– Mas ainda agora reparo! – exclamou a morgadinha – eu esquecida a conversar, e sem avisar a minha tia e Christina da sua chegada! Não o fiz logo, porque as sabia occupadas em umas longas novenas, em que andam; mas agora é tempo. Vae, Marianna, e tu, Eduardo; ide ambos dizer-lhes que está aqui o… o primo Henrique de Souzellas.
Marianna e o irmão sairam a correr.
– Vae conhecer duas boas almas – disse Magdalena, voltando-se para Henrique – minha tia é uma santa senhora, cujo peor defeito é suppôr-se victima dos criados; e Christina… Christina é um anjo.
V
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