A Morgadinha dos Cannaviaes. Dinis Júlio
Чтение книги онлайн.

Читать онлайн книгу A Morgadinha dos Cannaviaes - Dinis Júlio страница 23

Название: A Morgadinha dos Cannaviaes

Автор: Dinis Júlio

Издательство: Public Domain

Жанр: Зарубежная классика

Серия:

isbn:

isbn:

СКАЧАТЬ que a candura de sentimentos não entra no numero das mais habituaes d'essas qualidades. Tinha uma razão clara, mas fria; se abraçava uma boa causa, não o fazia cedendo ao enthusiasmo, mas sómente depois de ponderar fleugmaticamente os fundamentos em que ella se baseava; assim era que, em politica, se costumára a contemporisar, espaçando a adopção de qualquer medida, inquestionavelmente boa, para tempos em que fôsse mais conveniente; não se apaixonava por utopias, desconfiava d'ellas; havia muito tempo que desviára dos olhos o prisma encantado, através do qual olham o mundo os poetas e todos os mais sonhadores; costumára-se a marcar por modelo nas differentes carreiras da vida, não um typo ideal dotado de todas as virtudes, limpo de todos os defeitos e vicios; assentára a menor altura o alvo: parecia-lhe que bom fito eram já os individuos que tinham conseguido maior consideração na sua classe; as maculas que elles tivessem, eram, por esse facto, maculas auctorisadas. O pensar de outro modo era pensar de romance; agradavel para entreter, porém mau nas applicações ás coisas da vida. N'uma palavra, o conselheiro era um homem de bem, mas na esphera mundana; não um d'aquelles typos de pureza crystallina, através da qual parece passarem sem desvio os raios da luz celeste, mas já um tanto embaciado do bafo social, que não o fazia ainda totalmente opaco.

      Por isso sorriu á declaração de Augusto. A carreira ecclesiastica não lhe parecia tão escabrosa como o futuro sacerdote a fazia; nem tão dura a lei, como em theoria se mostrava. O conselheiro não pensava necessario tomar ao pé da lettra certos deveres impostos; o mundo seria, como elle, tolerante em naturaes infracções; por tudo isso se riu. Fez a Augusto uma longa dissertação sobre as vantagens da vida ecclesiastica, sobre os muitos interesses que lhe promettia, e a leviandade com que elle queria renunciar a uma carreira segura movido pelas instigações de um espirito timorato ou de uma visão phantastica.

      Augusto insistiu. Sem córar perante o sorriso sceptico do conselheiro, declarou que não abraçaria a vida ecclesiastica sem que se sentisse com a coragem precisa para cumprir todos os deveres que ella lhe impunha; que era precisa uma grande abnegação, e que elle, depois da morte de sua mãe, não tinha a certeza de a conseguir. Nos interesses não pensava, e se pensasse, seria isso a primeira prova de não estar preparado para a missão de que se queria encarregar.

      Quando alguem abraça com lealdade e franqueza uma boa causa, difficilmente é vencido. O conselheiro, costumado a não recuar nas mais acerbas luctas do parlamento, calou-se dentro em pouco ás objecções d'aquella creança. Como que teve remorsos de tentar sequer desvanecer as illusões a que o via abraçado, – illusões pelo menos as suppunha elle; parecia-lhe uma obra satanica envenenar com um sorriso aquelle ideal, em que vivia. – Respeitou-o e calou-se.

      – Alguma creancice amorosa dos quinze annos – pensou para si. Deixemos ao tempo convencel-o. Não me encarregarei eu d'esse papel, que é pouco sympathico. Quem me restituira aquellas canduras! Teria alcançado menos no mundo, mas talvez tivesse gosado mais… ou melhor…

      O conselheiro cedeu apparentemente, esperando que a reflexão modificaria, mais tarde, as ideias do rapaz.

      Exigiu d'elle que a ninguem annunciasse as tenções, em que estava de não se ordenar, pelo menos emquanto não passasse mais tempo sobre aquella resolução.

      E uma vez que ficava na terra, pediu-lhe o conselheiro que se encarregasse da primeira educação de Angelo, então de nove annos; pois mais confiava para isso em Augusto, do que no professor official.

      Augusto acceitou com prazer a incumbencia, que, sobre adequada aos seus gôstos, lhe abria uma carreira, que elle já imaginára adoptar.

      De então nasceu uma intima amizade entre Angelo e Augusto. Foram rapidos os progressos do discipulo, e não menos reaes as vantagens que ao mestre resultaram do ensino, que lhe desenvolvia cada vez mais a intelligencia. – O conselheiro tinha motivos para estar satisfeito da escolha.

      Ao fim de um anno as repugnancias de Augusto em acceitar o legado eram as mesmas; o egoismo paternal do conselheiro não o deixou ser muito ardente a combatel-as. – Espaçou-se mais uma vez a decisão.

      Outras lições appareceram a Augusto, as quaes elle acolheu com gôsto; o mestre-escola reclamava tambem muitas vezes o seu auxilio; compadecido da sua velhice, Augusto nunca lh'o recusou.

      O velho acabou por declinar n'elle o serviço todo, sem que Augusto consentisse em receber por isso o menor estipendio.

      O publico não se cançava de perguntar quando seria que o rapaz principiaria os seus estudos em Lisboa e por que o não fazia já. Como não obtivesse resposta, commentava o facto, como costuma commentar todos os que não entende.

      No entretanto a educação de Augusto não ficára estacionaria. Com grandes sacrificios a continuára elle; e n'um êrmo, como era aquella aldeia, tinha muito de milagre o que fazia.

      O latim de mestre Bento já mal satisfazia ás impaciencias do espirito d'este discipulo enthusiasta; e não era raro que a intelligencia de Augusto visse mais fundo nos textos, do que a experiencia do mestre.

      O acaso favoreceu os desejos do estudante.

      N'uma freguezia proxima estava, como abbade, um doutor em theologia, homem de solido saber e de reputação extensa.

      Um dia em que, por convite do seu collega, viera assistir e prégar na festa do orago da aldeia, o padre encontrou-se com Augusto na sacristia e, conversando-o, admirou-lhe a penetração, captivou-se da sua modestia e lamentou não estar mais perto d'elle, porque o auxiliaria, como pudésse, nos estudos.

      Augusto perguntou-lhe se era sincera aquella vontade; affirmando-lhe o padre que sim, respondeu que não seria então estorvo a distancia, porque elle a venceria.

      E d'ahi em deante, duas vezes por semana, ás quintas feiras e domingos, franqueava legua e meia dos mais escabrosos caminhos, para ir ouvir as lições do erudito abbade. Assim se aperfeiçoou na latinidade, cultivou a philosophia e adquiriu o gôsto pelos nossos velhos prosadores e poetas. Vinha de lá carregado de livros para ler durante a semana. Toda a bibliotheca do padre lhe passou pelas mãos.

      Era porém o theologo classico exclusivo e nada visto em linguas e litteraturas modernas.

      A sorte não recusou ainda a Augusto um novo mestre.

      Entre os muitos estudos de estradas, de que os governos em Portugal fazem preceder, vinte annos antes, a construcção definitiva de uma só, que de ordinario sae sempre como se não fôsse tão estudada, um houve que levou á aldeia, em que eu e o leitor nos achamos, um engenheiro que ahi fez quartel e centro de operações, durante tres mezes inteiros.

      A casa em que elle se alojou ficava proxima da de Augusto. Cêdo travaram conhecimento os dois. O engenheiro o menos que possuia eram livros de mathematica; mas, emquanto a litteratura moderna, trazia nas malas e bahús uma excellente provisão.

      Não tendo que fazer ás noites, entreteve-se a ensinar o francez a Augusto e a ler-lhe os livros da sua bibliotheca portatil. Voavam as horas a Augusto n'aquelles serões; n'elles aprendeu todos os nomes da nossa litteratura moderna, bem como os principaes da de França e de Inglaterra.

      Quando o engenheiro partiu da aldeia já Augusto sabia o francez bastante para se aperfeiçoar por si; este amigo deixou-lhe em lembrança grande parte dos seus livros, que Augusto releu muitas vezes.

      Attingiu finalmente Angelo a idade de precisar do collegio. O conselheiro, ao leval-o comsigo, insistiu mais uma vez com Augusto para que viesse tambem e acceitasse o legado da morgada. Foi em vão, encontrou-o ainda inabalavel.

      E d'esta vez fez publica a sua desistencia, e o ambicionado patrimonio foi concedido a outro.

      Mezes depois СКАЧАТЬ