Название: A Morgadinha dos Cannaviaes
Автор: Dinis Júlio
Издательство: Public Domain
Жанр: Зарубежная классика
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A pensar n'isto se ficou Henrique de Souzellas, calado, immovel, absorto, seguindo com os olhos os movimentos de Magdalena, que, sem o menor constrangimento, proseguia nas suas occupações domesticas.
Ouviram-se finalmente passos e vozes de differentes timbres na sala immediata.
– Ellas ahi veem – disse a morgadinha.
De feito, precedidas por Marianna e Eduardo, entraram na sala D. Victoria e Christina.
A mãe vinha dizendo:
– É o que eu digo… Não que vocês não querem crer! Ora vejam se isto se atura… se isto não é para metter uma pessoa no inferno!.. Não tem que vêr!.. Não ha ninguem que mais dinheiro gaste com criados e que seja tão mal servida como eu!.. Eu só queria saber o que fazem os criados d'esta casa? Sim, só queria que me dissessem o que elles fazem, esse bando de mandriões!.. Elle é o Torquato, elle é o Luiz, elle é o Damião, elle é a Ermelinda, elle é a Rosa, elle é a Violante… e não havia um só que me viesse dizer que tinha chegado o primo! É forte coisa!.. Compromettem uma pessoa! Então como está? – accrescentou ella, mudando de tom para cumprimentar Henrique, a quem estendeu a mão.
Magdalena, ao ouvil-a, tinha já trocado com este um olhar malicioso.
Henrique correspondeu delicadamente á saudação das senhoras e procurou justificar os criados.
– Não m'os desculpe, – atalhou D. Victoria, elevando outra vez o tom de voz – aquillo é de proposito para fazerem ficar mal uma pessoa; ninguem me tira isto da cabeça… Aquillo é de proposito!
– Mas a mamã não vê que as criadas estavam comnosco á novena? – lembrou timidamente Christina.
– Pois que não estivessem. Quem tem serviço a fazer não pode ouvir novenas.
– Mas se a mamã é que as mandou!
– Pois sim… pois sim… mas… mas ellas é que me deviam dizer que tinham que fazer. Então eu é que lhes hei de estar a lembrar as suas obrigações? Não me faltava mais nada! Ora tens coisas, menina! Mas então vamos a saber, primo Henrique, fez bem a sua jornada?
Henrique principiou a falar para desvanecer a irritação de D. Victoria.
Como nós já sabemos dos pormenores da tal jornada, aproveitaremos a occasião para dizer duas palavras a respeito das novas personagens, que estão em scena.
D. Victoria, havendo attingido já a idade respeitavel dos quarenta e tantos annos, dispensa-nos grandes longuras e esmeros de descripção. Basta que o leitor saiba que era uma senhora nutrida, bondosa no fundo, e que sabia muito bem trazer os vestidos escuros da sua viuvez. Impertinente com os criados, doida pelos filhos e sobrinhos, muito sujeita a esquecimentos, e confundindo-se facilmente sempre que tentava forçar o espirito a abraçar alguma ideia mais complexa; mãos rotas com a pobreza; intolerante, em theoria, com os ladrões e malfeitores, porém felizes d'elles se d'aquellas mãos lhes dependesse a condemnação; eis o que era D. Victoria. Christina, porém, tinha dezenove annos; e esta idade gosa de privilegios, que eu não posso infringir. O leitor não me perdoaria se me visse passar estouvadamente por deante da prima de Magdalena, sem um olhar de homenagem á sua juventude e ao seu typo feminino. Reparemos pois.
Christina era mais bonita do que bella. Não havia n'aquelle rosto uma só feição, que não fôsse correcta e delicada. Tez alva e finissima; olhos meigos e quebrando-se com suavidade infantil; bôca, d'onde parecia sempre prestes a sair um afago ou uma consolação; voz, que da muita piedade d'aquelle bom coração, tirava ás vezes modulações commoventes; n'uma palavra, uma figura de cherubim, como as sonharam os mais inspirados artistas, cuja mão representou na téla os augustos mysterios do christianismo, tal era a primogenita de D. Victoria. Mas não procurassem n'ella alguns d'aquelles attractivos, que fixam de repente e como por magnifico influxo, a attenção dos olhos, uma d'essas particularidades physionomicas, pelas quaes a natureza, destruindo com arrojo feliz a geral harmonia de um semblante, consegue tornal-o mais fascinador; temperavam-se alli tão completamente todas as feições, que a attenção não se sentia obrigada a passar do conjuncto d'ellas, o que lhes diminuia muito a intensidade. É o grande senão dos rostos harmonicamente perfeitos.
Concordava-se em que Christina era galante, ninguem lhe negaria sympathias; mas o pensamento na ausencia d'ella, não se sentia dominado por a sua imagem: perdia-a até n'um vago, quando pretendia fixal-a: eram suaves de mais as inflexões d'aquelles contornos, brandas as tintas que lhes davam relevo, para que a memoria conseguisse reproduzir facilmente o typo angelico, de que lhe ficára uma agradavel, mas vaga impressão.
Por um homem, em quem predominasse a razão, Christina poderia vir a ser adorada; mas nas imaginações ardentes, nos corações inflammaveis, difficil lhe seria produzir alguma impressão duradoura.
Para bem se comprehender a belleza de Christina, era preciso sondar-lhe primeiro o coração, apreciar todo o thesouro de sentimentos que alli se continha; então descobrir-se-lhe-hia nas feições certa belleza ideal, reflexo de bondade e candura, uma d'essas claridades que as almas puras e generosas vertem nas physionomias. Se não fôsse receiar-me de linguagem que saiba a philosophia, diria que a belleza, que possuem umas mulheres assim, é uma belleza subjectiva.
De tudo isto é natural concluir que Henrique de Souzellas podia sympathisar com a candida figura de Christina, a qual baixava timidamente os olhos deante d'elle, córando cheia de enleio e confusão, mas que qualquer sentimento que ella lhe inspirasse, não conseguiria por muito tempo desviar-lhe o sentido dos encantos mais attrahentes da morgadinha – que a muitos respeitos, menos na bondade de coração, formava contraste completo com sua prima.
Travára-se animada conversação entre as pessoas presentes, e principalmente entre Henrique, D. Victoria e Magdalena.
D. Victoria quiz ser informada da doença de Henrique. Este passou a fazer-lhe uma exposição igual, com pequenas variantes, á que fizera á tia.
Mencionou, como a ella, aquelles vagos symptomas, aquellas tristezas, impaciencias e desalentos, que tão ingenuamente a boa senhora classificára como mania.
Emquanto Henrique falava, Magdalena poz-se a rir.
Henrique tornou para ella os olhos.
– Ó menina, de que ris tu? – perguntou D. Victoria, com certo tom de severidade.
– Rio-me d'aquella doença, tia. Pois já viu alguem padecer d'aquillo? Ora diga?
– Eu?.. mas…
– Pode dizer que não. E comtudo o primo Henrique não mente. Ha d'aquellas doenças na cidade, ha; mas na aldeia são tão raras, que eu mesma as estranho já, eu que as vi em outro tempo…
– Então não crê na realidade d'ellas.
– Não lhes estou a dizer que sim? Ouço até que já teem levado ao suicidio. Acredito-o. Os habitos da civilisação affeiçoam a seu modo a natureza humana e criam molestias novas, que nem por isso são menos naturaes. Mas que quer, primo? A minha estranheza, ao vêr um СКАЧАТЬ