A Morgadinha dos Cannaviaes. Dinis Júlio
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Название: A Morgadinha dos Cannaviaes

Автор: Dinis Júlio

Издательство: Public Domain

Жанр: Зарубежная классика

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СКАЧАТЬ a morgadinha, é a morgadinha – disseram a um tempo muitas vozes.

      – Agradecido pela novidade; era cá muito precisa a explicação – disse o Pertunhas: e passando a carta para uma mulher, que era a encarregada de fazer a distribuição a quem a podia gratificar, accrescentou:

      – Leve-lh'a a casa.

      E proseguiu:

      – Augusto Gabriel…

      – É o mestre-escola…

      – Ora fazem o favor de estar calados! Esta… como elle vem por aqui… pode ficar… ainda que… será melhor levar-lh'a a casa, leve, leve tambem…

      – João Cancella.

      – É o João Herodes.

      – Esse foi a Lisboa.

      – Então, quando vier, que appareça.

      – O tio Zé P'reira ficou de receber as cartas. É compadre d'elle.

      – Eu não quero saber de compadrices. O tio Zé P'reira que se occupe com o seu zabumba e deixe lá os outros.

      A leitura mais ou menos acompanhada d'estes dialogos proseguiu, redobrando de momento para momento a anciedade dos que iam ficando. Um fundo suspiro, unisono, melancolico, expressivo de desalento, seguiu-se á leitura do ultimo nome e ás poucas palavras, com que o funccionario fechou a tarefa.

      – E acabou-se.

      Os que ainda estavam na loja sairam cabisbaixos, morosos e com tão má vontade, como se ainda tivessem esperança de commover a inexoravel sorte.

      Henrique, ficando só com Bento Pertunhas, teve de lhe escutar ainda, por muito tempo, a narração dos seus passados triumphos artisticos, das suas amarguras presentes no magisterio, e das suas esperanças em melhoramentos futuros. Entre as ambições mais inquietas do mestre, a de obter o logar de recebedor de comarca, proximo a vagar por a morte imminente do respectivo empregado, figurava em primeira linha.

      Depois de varias tentativas, Henrique conseguiu deixar o seu interlocutor, e continuou o passeio que este episodio interrompera, tão satisfeito e distrahido, que nem apprehensões lhe causava a ideia de trazer as botas humedecidas pelas hervas do caminho, ideia que, em outra occasião, bastaria para o fazer doente.

      Ladeava elle um campo, cingido de altas silvas, a procurar saida para a deveza, da qual um fundo vallado o separava, quando lhe pareceu ouvir um rumor de vozes, como de alguem, que conversasse perto d'alli.

      Parou a certificar-se.

      Não se enganára. Era do outro lado da sebe, e na deveza, para onde tentava passar, que se estava falando.

      Espreitou por entre as folhas do silvado que o encobria, e viu uma scena, que lhe moveu a curiosidade.

      Um grupo de creanças e de mulheres do povo escutavam em pleno ar e com religiosa attenção, a leitura que uma senhora joven e elegante lhes fazia das cartas, que ellas para esse fim lhe davam. A senhora estava montada, não como romantica amazona, em hacanêa fogosa, mas modesta e simplesmente n'um digno exemplar d'aquelles pacificos animaes, a que Sterne não duvidou dedicar algumas palavras de sympathia nas suas paginas mais humoristicas, e que Pelletan incluiu entre os collaboradores da humanidade na grande obra do progresso, ou, deixando a periphrase, em uma possante e bem apparelhada jumenta.

      Á roda as ouvintes encostavam-se com familiaridade ás ancas e ao pescoço do immovel quadrupede.

      A leitora segurava no collo a mais pequena e a mais nua das creanças do rancho.

      Lia com voz agradavel e sonora; e, graças á serenidade da manhã e ao socego do logar, ouviam-se distinctas, á distancia que ficava Henrique, as palavras, que ella pronunciava lentamente, como para as deixar penetrar bem na intelligencia do auditorio.

      Henrique reconheceu muita d'esta pobre gente, por a mesma que, momentos antes, vira na casa do correio.

      Mas as suas attenções voltaram-se com especialidade para a leitora.

      Era uma mulher muito nova ainda. Uma graciosa figura de mulher, suave, elegante, distincta, um d'esses typos que insensivelmente desenha uma mão de artista, quando movida ao grado da livre phantasia; a côr, essa côr inimitavel, onde nunca dominam as rosas, mas que não é bem o desmaiado das pallidas, encarnação surprehendente, a que ainda não ouvi dar nome apropriado.

      Os cabellos em fartas tranças, em ondas naturaes, não de todo pretos, porém, mais distinctos ainda dos louros; a estatura esbelta, sem ser alta, o corpo flexivel, sem ser languido; um vulto de fada, emfim, com a magestade, com a graça que deviam ter estas creações da poesia popular, se fôsse certo tomarem a fórma de virgens, para matar de amores.

      Não se concebe attenção tão distrahida, que esta mulher não fixasse; olhos, que se não voltassem para seguil-a, depois de a vêr passar; coração, que não se perturbasse na sua presença.

      Trajava um singelo vestido de xadrez branco e preto, adornado no collo e punhos apenas por collarinhos lisos. Descaía-lhe natural e elegantemente dos hombros um chale de casimira escura, sem lhe occultar as bellezas da airosa conformação; o chapéo de palha de largas abas, cobrindo-lhe a cabeça, espalhava pelo rosto as meias tintas, tão favoraveis ás bellezas delicadas.

      Henrique comprehendeu logo a significação da scena, a que, tão inesperadamente, viera assistir. Aquella mulher parára alli, para ler a essa gente pobre e ignorante, as cartas que haviam recebido do correio.

      Tambem era caridade a acção, muito mais cumprida com o bom modo e com o carinho com que ella o fazia.

      Henrique applicou a attenção.

      – …«E por isso, minha mãe» – lia ella – «se Deus me ajudar, espero dentro em pouco ir a essa terra e darei remedio a tudo. E não me fale vossemecê mais em vender o cordão e as arrecadas. Diga ao senhorio que tenha paciencia, que eu satisfarei a tudo.»

      Aqui a leitora parou para perguntar:

      – Então que historia é esta das arrecadas, Anna?

      – É, senhora, que o aluguer estava vencido…

      – E não podia falar-me antes de se lembrar do seu filho?

      – Ora, senhora, bem basta o que…

      – Fez mal. Estar a affligil-o com estas coisas! Elle que precisa de toda a coragem!

      E continuou a ler a carta, no meio das lagrimas e das expansões de alegria da ouvinte, mais interessada n'ella.

      Acabando, deu um beijo na creança, que tinha ao collo, e estendeu a mão a receber a carta, que outra mulher do grupo lhe passou. Esta era menos de consolar. Não se falava alli senão de contratempos, de revezes e desesperanças. Mais do que uma vez teve de suspender a leitura, para mitigar a dôr e enxugar as lagrimas, que ella estava produzindo na pobre mulher, a quem era dirigida.

      Após esta, ainda outra e outra; uma do marido para mulher; outra de filho para mãe; outra de noivo para noiva.

      Foi com o riso nos labios e inoffensiva malicia nas inflexões da voz e no olhar, que ella decifrou os mal legiveis caracteres, com que em papel bordado, pintado e recortado, vinham expressos os mais СКАЧАТЬ