Название: Santa María de Montesa
Автор: AAVV
Издательство: Bookwire
Жанр: Документальная литература
Серия: Nexus
isbn: 9788491345107
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Para além dos argumentos régios já enunciados, houve outros fatores que reforçaram a justificação da criação da Ordem de Cristo, como a própria evolução económica e social do Ocidente medieval. Ao evidenciar-se a acumulação de problemas graves no contexto do sistema senhorial, fomentou-se a procura de novos espaços de afirmação, cada vez mais de perfil marítimo, revalorizando-se o potencial do Mediterrâneo para a história de Portugal.32 A este nível, tanto a já citada bula de criação da Ordem de Cristo como a de nomeação do seu primeiro Mestre expressam a intencionalidade de prossecução da cruzada em territórios situados para além da fronteira territorial.
A compreensão da criação da Ordem de Cristo implica o reconhecimento de duas outras questões capitais. Primeiro, não se pode reduzir à sua bula fundacional, pois a Ordem resulta de um processo que começa em 1307 e se prolonga até 1326. Segundo, não constitui uma ação isolada, sendo conhecidas manifestações da política régia de reforço da autoridade monárquica e de ambição de controlo de todas as outras Ordens Militares instaladas em Portugal.
Quanto à primeira questão, e do ponto de vista documental, há um conjunto de textos que fazem parte deste longo processo. A partir de 1307 foram produzidos documentos relacionados com a transição da base territorial do Templo para a administração régia, bens estes que só mais tarde seriam transferidos para a Ordem de Cristo.
A definição das áreas geográficas de influência da nova Ordem de Cristo constitui uma questão de resolução gradual. Castro Marim, assumida com toda a projeção na bula fundacional e integrada no bispado de Silves, foi escolhida para fixar a sede conventual. Era um lugar simbólico pela sua dimensão de fronteira, associada à cruzada. De acordo com a bula era «castelo muy forte a que a desposiçam do logar da seer defeso, que he na fronteyra dos dictos enmiigos e parte con eles, podiasse fazer nova cavalaria de lidadores de Jhesu Christo».33 Curiosamente, a sede dos Templários tinha funcionado bem mais a norte, em Tomar. Na mencionada bula de 14 de março de 1319 estabelecia-se a impossibilidade de revogação da doação régia da vila algarvia de Castro Marim, a par dos domínios situados em Castelo Branco, Longroiva, Tomar e Almourol, os quais tinham constituído o núcleo principal dos territórios Templários (à exceção de Castro Marim); a referência aos restantes bens imóveis era discretamente incluída numa expressão muito vaga, o que espelha o grande desconhecimento sobre a totalidade desse património. De acordo com as palavras do rei, D. Gil Martins «non sabe tambem hu esses beens son».34 As áreas de influência territorial da Ordem de Cristo eram bem mais amplas do que aquelas cinco propriedades que a bula fundacional menciona. Esta dispersão dominial por boa parte de Portugal (sobretudo em Trás-os-Montes, a sul de Coimbra e na Beira Interior, onde o rio Tejo funcionou como um eixo estruturante) refletia a configuração da propriedade da antiga Ordem do Templo.
A longa fase de transição dos bens de uma instituição para a outra, tendo os mesmos ficado, a título transitório, sob a administração régia, terá contribuído para a complexidade deste processo.35 Uma vez decidido o enquadramento para os bens dos Templários, em 24 de junho de 1319, D. Dinis restituiu à Ordem de Cristo determinadas propriedades.36 Por sua vez, em 20 de novembro de 1319, o Mestre D. Gil Martins deu carta de quitação ao rei, abrangendo todos os bens que recebera até então37 e, passados seis dias, toma posse desse património.38
A organização dos bens da Ordem de Cristo prolongou-se pela década de 20 do século XIV. As sucessivas Ordenações de 1319, de 1321, de 1323 e de 132639 demonstram a necessidade contínua de arrolar bens imóveis e de clarificar o seu estatuto no contexto da instituição. Comparados os estatutos jurídicos destes bens (organizados em cerca de 50 domínios), percebe-se o esboço de um processo de transferência de propriedade da tutela direta do Mestre e do convento para os comendadores, compatível com o reconhecimento de fidelidades à Coroa e à Ordem.
Exposta em síntese a evolução histórica da base patrimonial da Ordem de Cristo, chamamos a atenção para uma outra questão substantiva relacionada com a identificação das caraterísticas orgânicas e funcionais da própria Ordem. Em termos muito simples, que instituição é esta?
De acordo com a bula fundacional, devia organizar-se segundo a regra e as ordenações da Ordem de Calatrava, devia submeter-se à correição e visitação do Abade de Alcobaça da Ordem de Cister, tendo em conta a tutela de Cister sobre Calatrava.40 Já o Templo tinha tido uma matriz cisterciense, a qual terá condicionado a decisão papal de vincular a nova instituição a Calatrava, tendo por base um fundamento canónico.
Ao mesmo tempo que se fixava a base territorial através das sucessivas Ordenações, também se estabelecia o número de freires que compunham a Ordem de Cristo. As Ordenações de 131941 falam em 86 freires (71 cavaleiros, 9 clérigos e 6 serventes), as de 132142 apontam 84 freires (69 cavaleiros, 9 clérigos e 6 serventes), as de 132343 mencionam 80 (66 cavaleiros, 8 clérigos e 6 serventes) e as de 132644 recuperam os números da primeira versão, referindo 86 (71 cavaleiros, 9 clérigos e 6 serventes). Do ponto de vista nominal não se sabe quem era a esmagadora maioria destes homens. As perseguições aos Templários, ocorridas sobretudo em França,45 não parecem ter tido lugar em Portugal, pelo que alguns Templários terão transitado para a nova Ordem.46
A segunda questão que acima referimos, e que se afigura determinante para a compreensão da criação da Ordem de Cristo, consiste no reconhecimento de que não se tratou de uma ação isolada no contexto que então se vivia. O evidente controlo deste processo pela monarquia tem eco em outras manifestações do reforço da autoridade régia sobre todas as outras Ordens Militares.
Com o final da reconquista territorial em Faro em 1249, percebe-se que se tinham criado as condições que permitiriam inaugurar uma nova atitude frente às Ordens Militares, isto é, um novo ciclo caraterizado pela intervenção régia nas Ordens e pela gradual perda de autonomia. O controlo das Ordens Militares por parte da monarquia era obrigatório para garantir a convergência de interesses, preocupação mais do que evidente no reinado de D. Dinis. As Ordens Militares tornam-se fundamentais para o desenvolvimento político, funcionando como um estímulo, uma espécie de elemento de pressão, para que a própria monarquia encontrasse formas governativas cada vez mais elaboradas e afirmasse a sua maturidade. Neste sentido, as Ordens Militares são convertidas em instituições para servir a monarquia e submetidas à sua autoridade, como provam as ações concertadas que atingem todas elas, como apontamos de seguida em termos muito sintéticos.47
No que diz respeito à Ordem do Templo, a coroa forçou a procura da autonomia do ramo português. Neste contexto, estão documentadas sentenças contra a Ordem do Templo em 1272,48 СКАЧАТЬ