Название: Santa María de Montesa
Автор: AAVV
Издательство: Bookwire
Жанр: Документальная литература
Серия: Nexus
isbn: 9788491345107
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REFLEXOS EM PORTUGAL: A INSTITUIÇÃO DA ORDEM DE CRISTO
A conjuntura centrada no Mediterrâneo oriental e, em particular, a grande mudança da segunda metade do século XIII refletiram-se em Portugal de forma muito clara e coincidiram com alterações importantes. Dois episódios são suficientes para evidenciar o sincronismo com os acontecimentos vividos a longa distância: a conquista de Faro, o último povoado algarvio, em 1249, e a criação da Ordem de Cristo, em 1319. Esta cronologia estende-se ao longo de dois reinados: o de Afonso III, conhecido como o Bolonhês (1248-1279), e o de D. Dinis (1279-1325). Ambos tinham fortes ligações pessoais e políticas à Europa além-pirenaica, o que lhes garantia o conhecimento atualizado de boa parte do que se estava a passar no plano internacional.
Entre a capitulação de S. João de Acre, a 28 de maio de 1291, e a criação da Ordem de Cristo, a 14 de março de 1319, no rigor do tempo, passaram 27 anos, 9 meses e 17 dias. Se numa leitura objetiva ficamos com a ideia de que bastante tempo passou, numa interpretação mais histórica temos a convicção de que a ligação entre os dois acontecimentos é intensa e se estabelece de forma direta. Acre, apesar de estar tão longe (a cerca de 6.000 km de viagem terrestre), fazia-se sentir muito perto se pensarmos no impacto que tiveram em Portugal os acontecimentos que lá se desenrolaram.
Há também paralelismos cronológicos entre o que aconteceu em França e em Portugal que são muito sugestivos no contexto desta reflexão. O primeiro sinal a que a historiografia tem atribuído significado foi da iniciativa de Filipe IV de França e consistiu na decisão de mandar prender os Templários em 13 de outubro de 1307.15 Do ponto de vista da memória documental, em Portugal, o ano de 1307 coincide, precisamente, com a altura em que as provas arquivísticas relacionadas com esta Ordem sugerem a abertura de um ciclo de grandes alterações relacionadas sobretudo com o património destes freires.16 A situação era complexa e pela bula «Deus ultionum Dominus», de 12 de agosto de 1308, o arcebispo de Braga e o bispo do Porto foram nomeados administradores dos bens do Templo em Portugal.17
No alinhamento dos acontecimentos internacionais insere-se a decisão de suprimir a Ordem do Templo em 1312, a qual resultou de um processo longo e teve consequências enormes ao nível da gestão patrimonial. A solução superiormente encontrada foi protagonizada pelo Papa Clemente V que, pelas letras «Ad providam» de 2 de maio de 1312, determinou que os bens do Templo fossem transferidos para o Hospital, abrindo, porém, algumas exceções para dotar novas instituições, incluindo, entre elas, Portugal.18 O assunto seria bastante polémico e, em 23 de agosto de 1312, pela bula «Dum fili carissime», justifica-se a referida exceção.19 Na bula fundacional da Ordem de Cristo aponta-se a razão, nos seguintes termos: «per que os dictos bens que forom do Temple que eram nos seus rreynos non se podiam juntar nem encorporar aa dicta orden do Hospital sen gram perigoo e gran prejoizo seu e dos seus rreynos».20 De facto, a dimensão e a proximidade no terreno dos domínios Templários e Hospitalários situados em Portugal constituiriam sérias ameaças à prossecução da política régia de controlo destas instituições.
Outra consequência produzida pela bula «Vox in excelso» fez-se sentir na criação de um repositório documental de valor jurídico-probatório relacionado com a Ordem do Templo, com a finalidade de atestar uma parte do seu espólio patrimonial em Portugal. Desta altura conhecem-se tanto inquirições régias ao património dos Templários, como a cópia de documentos pertencentes aos freires e relacionados com os seus bens imóveis. Deste período, conservam-se nos arquivos portugueses, pelo menos, três inquirições de grande dimensão sobre os bens da Ordem do Templo, datadas de 1312,21 131422 e 1317,23 a que se podem acrescentar outras com objetivos mais específicos. A título de exemplo, sublinhe-se que o referido inquérito de 1314 se destinava a coligir informações organizadas em torno de 25 artigos sobre as jurisdições exercidas pelos Templários.24 As respostas obtidas são muito elucidativas dos objetivos que a coroa tinha definido em relação a esta instituição. As testemunhas mais contundentes afirmam que tudo pertencia e dependia do rei, desde os rendimentos auferidos pelo Templo à tutela das questões judiciais e militares, passando pela intervenção régia na organização interna da instituição, através da escolha dos freires e dos mestres e do controlo das reuniões capitulares.
Na sequência dos dados apurados, no ano de 1318, em Portugal, assistiu-se a grande atividade relacionada com a supressão da Ordem do Templo. Depois de no mês de agosto terem sido nomeados os procuradores de D. Dinis à Santa Sé,25 em 30 de setembro desse mesmo ano, em dois documentos distintos,26 foi copiada diversa documentação com efeitos probatórios sobre a Ordem do Templo.
Os procuradores enviados por D. Dinis à Santa Sé são João Lourenço de Monsaraz e Pedro Peres com a missão de negociarem junto da cúria romana o destino dos bens da Ordem do Templo em Portugal. Estes homens são, nem mais nem menos, um cavaleiro e um clérigo, respetivamente, representando a dupla condição dos freires. A procuração que receberam, datada de 14 de agosto de 1318, refere-os como «o nobre baron Joham Lourenço cavaleyro e o sagez baron Pero Peres, coonigo de Coymbra».27 A partir da citação, sublinhe-se a consciência da necessária capacidade de argumentação, já que da sagacidade com que os embaixadores expusessem os argumentos dependeria o sucesso da missão. Pela leitura da bula de fundação da Ordem de Cristo, percebe-se que a retórica se desenvolvia em torno da utilidade da nova instituição no contexto do poder régio e do impacto da condição fronteiriça da instalação dos freires no domínio da expansão da fé e da captação de proveitos materiais.
Perante tudo isto, a Ordem de Cristo foi oficialmente criada em 14 de março de 1319, pela bula «Ad ea ex quibus» outorgada pelo Papa João XXII.28 No dia seguinte, pela bula «Desiderantes ab intimis», D. Gil Martins foi nomeado Mestre da recém-criada Ordem.29 Estas bulas foram outorgadas em Avinhão, o que significa que o mensageiro que as trouxe até Portugal teria pela frente quase um mês de viagem.30
O Mestre escolhido – D. Gil Martins – tinha, até então, desempenhado funções similares na Ordem de Avis, precisamente a Ordem que viria a dar o nome à 2.ª dinastia portuguesa pelo facto de João, filho do rei D. Pedro I, que havia desempenhado o ofício de Mestre, ter sido convertido em Rei de Portugal em 1385. Falamos de D. João, Mestre de Avis, elevado ao trono com o nome de D. João I de Portugal. Segundo a bula fundacional, D. Gil Martins «gardara sempre lealdade ao dicto rrey», o que revela a necessidade de garantir, desde logo, a total cumplicidade com a coroa.СКАЧАТЬ