A Morgadinha dos Cannaviaes. Dinis Júlio
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Название: A Morgadinha dos Cannaviaes

Автор: Dinis Júlio

Издательство: Public Domain

Жанр: Зарубежная классика

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СКАЧАТЬ agradecido, tia Dorothéa, tudo deve estar bom – disse Henrique, procurando fugir ás muitas reflexões, perguntas e conselhos, com que as duas o iam perseguindo até o quarto.

      – Olha, ó menino, tu bebes agua de noite?

      – Ás vezes.

      – Você poz-lhe agua no quarto, Maria?

      – Puz, sim, minha senhora; pois então? Já minha mãezinha dizia, que antes sem luz do que sem agua.

      – Bem, então está bom. Então muito boa noite, menino.

      – Boa noite, tia.

      – Ai, é verdade. Has de vêr se queres mais roupa na cama.

      – Não hei de querer, não, tia.

      – Olha que está muito frio. Você quantos cobertores lhe deitou, ó Maria?

      – Cinco, senhora.

      – Cinco! – exclamou Henrique, quasi horrorisado. – Cinco cobertores!

      – É pouco?

      – Pouco? – É de morrer esmagado debaixo d'elles.

      – Ai, quer não! Olha que está muito frio.

      – Bem, bem; eu cá me arranjarei.

      – Então, muito boa noite.

      – Muito boa noite, tia.

      E Henrique ia a fechar a porta.

      – Olha… – disse ainda a tia.

      Henrique parou.

      – Não sei o que é que me esquece…

      – Não ha de ser nada, tia; boa noite.

      – Não esquecerá?.. Eu sei?.. Emfim… boa noite. Ai, é verdade… Sempre é bom ficar com lumes promptos.

      – Ai, sim; lá isso sempre é bom.

      – Vês? não que bem me parecia.

      – Já lá estão, senhora – disse a criada de longe.

      – Melhor; então muito boa noite nos dê Nosso Senhor, menino.

      – Muito boa noite, tia.

      E Henrique conseguiu fechar a porta.

      Estava finalmente só.

      – Que desastrada lembrança a minha! – disse o pobre rapaz, ao fechar a porta sobre si. – Como posso eu viver com esta santa e virtuosa gente, que chama manias aos meus padecimentos? Que futuro de impertinencias me espera! Ai, Lisboa, Lisboa, e pensar eu que só posso voltar para ti á custa de outra jornada!

      O quarto de Henrique era arranjado com simplicidade. Um alto leito de almofadas na cabeceira e rodapé de chita, tão alto que se não dispensava o auxilio de cadeira para trepar acima d'elle, uma commoda com um pequeno espelho, um bahú, um lavatorio e duas cadeiras mais, constituiam a mobilia toda.

      Henrique de Souzellas sentiu a falta de mil pequenos objectos de toucador, a que estava habituado. Aquelle estrictamente necessario não lhe promettia grandes confortos.

      Deitou-se. A roupa da cama era de linho alvissimo e respirava um asseio e frescura convidativos: os travesseiros, de largos folhos engommados, possuiam uma molleza agradavel ás faces; o colchão de pennas abatia-se suavemente sob o peso do corpo fatigado.

      Henrique conchegou a roupa a si; á falta de velador, pousou o castiçal no travesseiro, e, abrindo um livro que trouxera de Lisboa, poz-se a ler, para obedecer a um habito adquirido.

      Não teria ainda lido um quarto de pagina, quando ouviu a voz da tia Dorothéa, que lhe dizia de fóra da porta:

      – Ó menino, tu já te deitaste?

      – Já, sim, tia Dorothéa.

      – Olha se tens cautela com a luz. Eu tenho um mêdo de fogos!

      – Esteja descançada, tia. Eu apago já.

      – Então será melhor. S. Marçal nos acuda.

      E afastou-se, rezando ao santo.

      Henrique continuou a ler.

      D'ahi a pouco a mesma voz:

      – Tu já dormes, Henriquinho?

      – Não, tia, ainda não durmo.

      – Olha que não vás adormecer sem apagar a luz. Eu tenho um mêdo de fogos! Não descanço, emquanto não vejo tudo apagado em casa.

      Henrique perdeu a paciencia.

      – Pois pode socegar, olhe.

      E apagou a véla, meio zangado.

      – Fizeste bem, fizeste bem; isto já é tarde, e é melhor fazer por dormir. Então, muito boas noites.

      – Muito boas noites – respondeu Henrique quasi amuado; e ageitando-se na cama, dizia comsigo: – E esta! Já vejo que nem ler me é permittido aqui. Olhem que vida me espera! É isto o que me devia curar? Que fatalidade!

      Dentro em pouco, os dois felpudos cobertores de papa, unicos que conservava dos cinco primitivos, começaram a fazer o seu effeito, insinuando nos membros cançados da jornada um agradavel calor. Convidavam ao somno o som da agua n'um tanque que ficava por debaixo das janellas do quarto e as gottas da chuva, que dos beiraes do telhado caíam compassadas na taboa do peitoril.

      A noite socegára. De quando em quando apenas algumas lufadas de vento, já menos impetuosas, faziam bater as vidraças.

      Eram como estes estados, que succedem a um choro aberto. Correm ainda algumas lagrimas nas faces, mas já não brotam novas dos olhos: saem ainda do peito os soluços, porém mais espaçados; dentro em pouco será completa a serenidade.

      Henrique começou a experimentar uma languidez, um delicioso bem-estar n'aquelle confortavel leito e no meio d'aquelle socego; fecharam-se-lhe enfraquecidos os olhos, e deslisou suave, insensivelmente, no mais profundo, tranquillo e restaurador somno, que, havia muito tempo, tinha dormido.

      III

      Ao romper da manhã, quando a consciencia principia, pouco a pouco, a acudir aos sentidos, até então tomados pelo torpôr de um somno profundo, Henrique de Souzellas sonhava-se commodamente sentado em uma cadeira de S. Carlos, disposto a assistir ao desempenho de uma opera favorita.

      Moviam-se os arcos nas cordas dos violinos, violoncellos e contrabassos; sopravam, a plena bôca, os tocadores dos instrumentos de vento; agitavam descompostamente os braços os ruidosos timbaleiros; dedos amestrados faziam vibrar as cordas da harpa; a batuta do mestre fendia airosamente os ares, e comtudo não chegava aos ouvidos de Henrique, de toda esta riqueza de instrumentação, mais do que uma nota unica, arrastada, continua, plangente, baixando e subindo na escala dos tons, e sem formar uma só phrase musical.

      Era de desesperar СКАЧАТЬ