A Morgadinha dos Cannaviaes. Dinis Júlio
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Название: A Morgadinha dos Cannaviaes

Автор: Dinis Júlio

Издательство: Public Domain

Жанр: Зарубежная классика

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СКАЧАТЬ style="font-size:15px;">      – Ai, então depressa, menino, que não ha nada peor do que a roupa molhada no corpo. Ó Maria… ou deixe estar, eu vou… Anda, Henriquinho, anda lá, que eu guio-te ao teu quarto para te arranjares.

      Meia hora depois, Henrique banhado, enxugado e commodamente vestido, saboreava uma gorda gallinha de canja, sobre uma mesa coberta de toalha lavada, e na melhor louça da copeira.

      Elle que tinha sempre severidades de critica contra os mais afamados cozinheiros de Lisboa, estava achando deliciosa aquella comida primitiva, com que o regalava a tia.

      Esta sentou-se a vêl-o comer, e com a mesma familiaridade, que Henrique já anteriormente extranhára, Maria de Jesus sentou-se ao lado da ama.

      Ambas tinham ceado já; pois que o faziam ao cerrar da noite.

      Emquanto Henrique comia, ellas, sem deixarem de o observar com a natural curiosidade de quem havia tanto tempo não tivera um hospede, faziam-lhe perguntas, ás quaes elle ia respondendo conforme lhe era possivel.

      – Tu dizias-me na tua carta que estavas doente; pois olha que na cara não o parece.

      – Não – concordou a criada – tem boas côres, e, vamos, a magreza inda não é lá essas coisas.

      Era este o ponto fraco de Henrique; respondeu logo ao reclamo.

      – Não me digam isso! Então não vêem como estou? Pois isto é lá côr de saude? de febre, será. Gordo? pois acham-me gordo?!

      – Gordo, não digo, mas assim, assim… E depois como vieste de jornada… Mas a final que molestia é a tua, menino?

      – Eu sei lá, tia Dorothéa? Nem os medicos a conhecem bem. É, entre outras coisas, uma tristeza, uma melancolia, que me não deixa, que me persegue por toda a parte. Ás vezes parece-me que sinto apertar-se-me dolorosamente o coração; outras, são palpitações, ancias… Tenho quasi vontade de chorar, irrito-me, impaciento-me, não quero que me falem, nada quero vêr, nada quero ouvir; não leio, não durmo, não como. Finalmente todo eu sou doença e tristeza.

      A boa tia Dorothéa olhava com sisudez e attenção para o sobrinho, emquanto elle falava, e na physionomia iam-se-lhe desenhando, ao ouvil-o, os mais expressivos signaes de espanto e consternação.

      Assim que Henrique terminou a exposição, ella disse-lhe com uma adoravel candura:

      – Então é assim uma especie de mania!

      Á palavra «mania» Henrique sobresaltou-se. Seria a consciencia que se sentiu ferida?

      – Mania? Ó tia Dorothéa! Mania! Veja bem, olhe que o termo é forte? Mania!

      – Sim, menino – insistiu ingenuamente a boa senhora – pois olha que não é outra coisa. Pois isto de estar triste sem ter de quê… sim… porque não te morrendo ninguem, nem te doendo nada…

      Ó poetas devaneiadores, ó almas melancolicas, que percebeis no sussurrar das brisas, no ciciar das folhas, no murmurar dos arroios, queixas occultas de dryades e de nayades, sentidas vibrações das harpas de fadas aereas, que vivem em palacios de nuvens; ó corações inoculados de poesia, que vos confrangeis e gottejaes lagrimas sinceras ao desmaiar do dia, ao desfolhar das arvores no outomno; poetas, que escutaes, com Victor Hugo, as vozes interiores, os cantos do crepusculo, e com elle adivinhaes os mysterios dos raios e das sombras, perdoae a involuntaria blasphemia da tia Dorothéa, que não contem o menor fermento de malicia; perdoae-lhe a dura expressão de que ella se serviu para caracterisar os vossos arroubamentos, as vossas tristezas vagas, os vossos devaneios, e crêde que, apesar da phrase, terieis n'ella uma alma mais afinada para sympathisar comvosco, do que tantas que por ahi fazem gala de vos comprehender melhor.

      Henrique não podia porém digerir a expressão, de que se servira a tia, para diagnosticar o seu mal.

      – Mania! – repetia elle – essa agora! Sempre é forte de mais. Mania, não, tia Dorothéa, lá isso não. Mania!

      – Eu lhe digo – acudiu a criada. – Não vá sem resposta; que está quasi como o cunhado da Rosa do Bacello. A senhora não se lembra? Andou aquella alminha por ahi sempre triste, sempre a falar só, até que a final lá foi parar…

      – Aonde? – perguntou Henrique, erguendo os olhos interrogadoramente para a criada.

      – Lá foi parar a Rilhafolles – concluiu esta, espevitando a véla o mais naturalmente d'este mundo.

      Henrique de Souzellas pulou com a sinceridade.

      Nem acabou de sorver a ultima colhér de caldo de arroz, que lhe estava sabendo como nunca manjar lhe soubera.

      – Então não comes mais? – perguntou a tia.

      – Muito agradecido; eu o mais que tenho é somno.

      – Pois sim, mas é preciso fazer por comer – insistiu ella.

      – Ora vá mais este côxão – disse a criada.

      – Não é possivel – teimou Henrique, e insistiu para se recolher ao quarto.

      – Tens razão, tens – concordou a tia Dorothéa – deves estar fatigado. Vae com Nossa Senhora, menino. E deixa-te lá de pensar e estar triste, que isso não é bom. É fazer por espairecer. Come, bebe, passeia, que é o que dá saude. Nada de malucar.

      – Sim – accrescentou a criada – e não queira estar doente, que não tem graça nenhuma.

      – E olha, Henriquinho, tu tens por ahi com quem te podes distrahir. O brazileiro Seabra, que tem uma casa como um palacio; o Augustito do doutor, que é um bom mocinho. E depois vae dar um passeio por ahi, um dia até os moinhos outro dia até á ermida da Senhora da Saude. Agora me lembra: a Lenita já mandou ahi outra vez saber se tinha chegado o hospede – disse D. Dorothéa.

      – Não foi só a morgadinha…

      – Ahi está você a chamar-lhe tambem a morgadinha.

      – Então, senhora?! isto é o costume. Mas todas as outras senhoras mandaram tambem o Torquato saber do sr. Henrique. A sr.a D. Victoria e a Christininha.

      – Ai, pois cuidadosas são ellas! Tu has de te entender com aquella gente. É uma gente muito dada e sem ceremonia. É preciso lá ir. Olha, ámanhã podes ir visital-as. É um passeio bonito.

      Henrique, que tinha estado distrahido durante a conversa das duas, nem se dava ao trabalho de intervir no dialogo em que ellas dispunham já do seu tempo e traçavam-lhe planos de vida.

      – Mas vae descançar, menino, vae e faze por dormir. Olha lá, tu costumas dormir com luz?

      – Não, tia, não costumo.

      – É porque n'esse caso… Ó Maria, onde está aquella lamparina, que me serviu quando eu estive doente, ha seis annos?

      – Está lá dentro, senhora; se a senhora quer eu…

      – Vê lá, menino…

      – Não tia, não quero.

      – Ha pessoas que não podem dormir ás escuras – dizia a criada. – Eu, graças a Deus, durmo СКАЧАТЬ