A Morgadinha dos Cannaviaes. Dinis Júlio
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Название: A Morgadinha dos Cannaviaes

Автор: Dinis Júlio

Издательство: Public Domain

Жанр: Зарубежная классика

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СКАЧАТЬ philantropo, que, abrazado em santo amor da humanidade, só entrevês delicias na tarefa do ensino, e fazes d'este vigiar e encaminhar o espirito infantil, que desabrocha e respira pela primeira vez no fecundo ambiente da sciencia, um seductor quadro de phantasia, perdôa-me a palavra, supplicio, de que me servi, e perdôa ainda mais ao caracter de Augusto o ter saido exacta a expressão, que te feriu os humanitarios instinctos.

      Eu bem sei que é uma sublime missão a do mestre: e que é uma graciosa e amoravel idade a da infancia, e poucos melhor do que Augusto possuiam presente o ideal de uma e amenisavam á outra com branduras os amargores do penoso tirocinio; – mas que importa? nem por isso é menos real o supplicio. A cultura dos espiritos é como a cultura das terras. O lavrador exulta, estremece de prazer, vendo pullular do solo, arado e semeado de pouco, os rebentos do grão que o calor fez germinar, e volverem-se as folhas, estenderem-se e enflorarem-se os ramos, penderem os fructos e colorirem-se das tintas da madureza; mas, emquanto vergado, coberto de suor, arquejante, se afadiga a arrotear o terreno duro e quem sabe se ingrato aos seus cuidados, muita vez lhe fallece o alento, e se olha de quando em quando para o céo, não é para lhe agradecer, com risos os gôsos que elle lhe dá; mas para lhe pedir, com lagrimas, a fôrça que lhe mingúa.

      De igual modo, se é grato ao cultor das intelligencias o vêl-as desenvolver, florir, fructificar; ardua, improba, desesperadora é muita vez a tarefa da sua primeira educação. É mister possuir um grande thesouro de ideal, para que o suave e risonho typo, que da infancia concebemos, não se transtorne, na phantasia d'estas victimas d'ella, em não sei que figura diabolica e maligna, que lhes envenena todos os momentos de alegria.

      Além d'isso, o pobre professor de instrucção primaria, sobre quem pesam os mais fastidiosos encargos da instrucção, não pode ser comparado absolutamente ao agricultor do nosso simile; é antes o jornaleiro contractado por magro salario, para, á fôrça de braço, lavrar o solo, d'onde, mais tarde, romperá a vegetação, que elle não terá de vêr e que a outros concederá os gôsos e o beneficio. Venceu tambem o humilde professor, e por o mesmo preço que o jornaleiro, que não vão mais longe com elle as liberalidades dos nossos governos, venceu as maiores cruezas do magisterio; mas não verá tambem o resultado das suas fadigas. Fogem-lhe as intelligencias, que educou, justamente quando com mais amor as devia contemplar, e, se o destino reserva a qualquer d'essas intelligencias um futuro de glorias, raro é que volvam um olhar agradecido para as humildes mãos, que as sustentaram, quando ainda não tinham azas para voar.

      Quasi todos os grandes homens commettem esta ingratidão. Falam nos seus mestres de philosophia, de mathematica, de litteratura, e não salvam do esquecimento, pronunciando-o, o nome do primeiro mestre, do que os ensinou a ler.

      Considerações da ordem das que acabamos de fazer, quero acreditar, não são as que mais preoccupam o pensamento da maioria d'esses pobres diabos, que, por noventa mil réis annuaes, se deixaram ligar á atafona do ensino primario da aldeia; porém devem ser, além das miserias de tão mesquinha sorte, causas de grandes torturas moraes para alguma alma de instinctos e aspirações mais elevadas, que o destino amarrasse, como por escarneo, a este poste de expiação. N'esse caso estava por certo a alma de Augusto. No vasto mundo, que os livros abrem ás imaginações, que na vida real não encontram deleite, refugiava-se elle nas horas em que as suas obrigações lhe permittiam respirar.

      D'esta vez, porém, por pouco tempo lhe foi dado saborear esse prazer.

      Soaram nos vidros da janella pancadas repetidas e chamou-o de fóra uma voz bem conhecida d'elle.

      Era a do mestre de latim, o sr. Bento Pertunhas.

      – Sr. Augusto, ó meu querido sr. Augusto. Amice! Pode falar a um amigo e colega? – dizia elle.

      Augusto foi abrir-lhe a porta, não reprimindo um gesto de enfado.

      O latinista entrou esfregando as mãos.

      – A ler, hein! sempre a ler! sempre amarrado aos livros! – dizia elle, batendo no hombro a Augusto. – Invejo-lhe mais a pachorra do que o proveito. Olhe que não medra com isso; nem ninguem lhe agradece as canceiras que toma. Meu rico, por dois dias que um homem passa cá n'este mundo, tolo é o que se mata. E então n'este paiz!.. Faça como eu.

      E, imitando com a bôca os sons da trompa, seu instrumento predilecto, poz-se a examinar os livros que via sobre a mesa.

      – Então que estava lendo? que estava lendo?.. Poh! poh! poh!.. Versos… Ora que nunca pude gostar de versos!.. Poh! poh!.. E não é agora porque se diga que não tinha quéda; não, senhores; em tempos fiz até algumas quadras… Poh! poh!.. já se sabe, até certa idade, mas nunca fui muito para ahi… Poh!.. A minha vocação é para a musica… Poh! poh!.. Lá para a musica, sim… Poh! poh! poh!.. Herman e Dorothéa – continuava elle, examinando os livros. – Novellas… Poh!.. E isto que é? Confessions de Rousseau – n'este nome deixou aos diphtongos o valor portuguez – Poh! poh! As Metamorphoses… Latim! Oh que massada! Poh! poh! poh! poh!.. – E o Ovidio, que lhe chegára ás mãos, foi arremessado como se estivesse em braza.

      Augusto não pôde conservar-se sério, ante o instinctivo movimento de repulsão do mestre.

      – Então que boa fortuna o traz por aqui, sr. Pertunhas? – perguntou elle.

      – Ai, é verdade; eu lhe digo ao que venho. É para lhe pedir um favor, meu caro sr. Augusto. Eu bem sei que é abusar da sua bondade… Quousque tandem, Catilina… Mas, é por esta vez…

      – Já sei; quer que lhe vá dar lição aos rapazes.

      – Ah! grande maganão, que adivinhou – exclamou o mestre, abraçando Augusto com effusão. – É isso mesmo, se lhe não custasse…

      – Irei.

      – É que… eu lhe digo, eu tinha hoje de ir ao ensaio da philarmonica… Percebe o senhor? Os Reis estão ahi á porta e as outras festas do Natal, e não ha tempo a perder… Percebe? E eu tenho ainda umas peças do Trovador para ensinar á minha gente. São muito bonitas… Poh! poh! poh! E então este anno, que pelos modos temos cá o conselheiro e mais o pequeno… Não contando com esse sujeito que ahi chegou a Alvapenha. Chama-se Henrique de Souzellas, é sobrinho da velha, da D. Dorothéa, e julgo que ainda aparentado no Mosteiro. Lá chamam-lhe primo. Esteve lá esta manhã um par de horas, logo que saiu da minha repartição. Dizem-me que é filhote de Lisboa, solteiro, rico e sem modo de vida. Rico e sem modo de vida! Que lhe parece, hein? Olhe que sempre ha gente muito feliz! Aqui para nós, sabe ao que me cheira a visita d'este senhor? Aquillo é mosca que vem ao cheiro do mel. Que diz, hein? Ninguem me tira d'isto. Pois não lhe parece, hein?

      – Não sei bem o que quer dizer com a imagem – respondeu Augusto, levemente enfadado. – Além de que não posso adivinhar as intenções de um homem que pela primeira vez encontrei esta manhã.

      – Pois está claro que não; nem eu; mas emfim uma pessoa logo tira pelo que vê… Ora pois diga, um rapaz de Lisboa, afeito a divertimentos, a boa musica, et coetera, andar leguas e leguas para se metter n'este desterro… Porque isto é um desterro. Sim, deve concordar que não é natural. Mas se a gente se lembrar de que a morgadinha, et coetera… O senhor bem me percebe… Todos, hoje em dia, sabem o preço ao dinheiro, meu amigo.

      A verbosidade do mestre Pertunhas estava evidentemente incommodando Augusto, que não redarguia.

      – Nada, nada; alli anda plano, com certeza. Pelos modos, já depois de ámanhã vae o rapaz acompanhar as pequenas á ermida da Saude. Ah!.. mas agora me lembro! o senhor é tambem da sucia.

      – Eu?!

      – Com СКАЧАТЬ