Название: Apenas os Dignos
Автор: Морган Райс
Издательство: Lukeman Literary Management Ltd
Жанр: Героическая фантастика
Серия: O Caminho da Robustez
isbn: 9781632917812
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Por muito que ela as tentasse bloquear, as palavras finais dele não paravam de soar na sua cabeça.
Manda-o para mim.
Subitamente Rea ouviu um ruído por trás de si e virou-se, assustada, ao ver os olhos redondos de Prudência, sua vizinha, a olhar para ela. Uma menina de catorze anos de idade, que perdeu a sua família no ataque, uma intrometida sempre muito ansiosa por bisbilhotar qualquer pessoa. Prudência era a última pessoa que Rea queria que soubesse acerca do que se passava consigo. Rea viu horrorizada os olhos de Prudência a desviaram o olhar da sua mão para a folha em transformação, arregalando-se ao se aperceber.
Com um olhar de desaprovação, Prudência deixou cair a sua cesta de lençóis, virou-se e correu. Rea sabia que ela ter saído dali a correr apenas poderia significar uma coisa: ela ia informar os aldeões.
Rea ficou apavorada e sentiu a primeira onda de medo. Os aldeões iriam exigir que ela matasse o seu bebé, é claro. Eles não queriam nenhuma recordação do ataque dos nobres. Mas porque é que isso a assustava? Será que ela queria realmente manter aquela criança, o subproduto daquele monstro?
O medo de Rea surpreendia-a e, ao pensar nisso, ela percebeu que era perigoso manter o seu bebé seguro. Isso desorientava-a. Intelectualmente, ela não queria tê-lo; fazê-lo seria uma traição à sua aldeia e a ela mesma. Isso só encorajaria os nobres que a tinham invadido. E seria tão fácil perder o bebé; ela poderia simplesmente mastigar a raiz Yukaba, e no seu próximo banho, a criança morreria.
No entanto, visceralmente, ela sentia a criança dentro dela e o seu corpo dizia-lhe algo que a sua mente não dizia: ela queria ficar com ele. Protegê-lo. Afinal, era uma criança.
Rea era uma filha única que nunca tinha conhecido os seus pais, que havia sofrido no mundo sem ninguém para amar e ninguém para amá-la. Sempre tinha desesperadamente querido alguém para amar e alguém para amá-la também. Ela estava farta de estar sozinha, de estar em quarentena na secção mais pobre da aldeia, de esfregar o chão dos outros, de fazer o trabalho árduo de manhã à noite, sem qualquer saída. Ela sabia que nunca iria encontrar um homem, dado o seu estado. Pelo menos ninguém que ela não desprezasse. E, provavelmente, nunca iria ter um filho.
Rea sentiu uma súbita onda de vontade. Podia ser a sua única hipótese, ela percebeu. E agora que ela estava grávida, ela percebeu que não sabia o quanto desejava aquela criança. Ela desejava-a mais do que qualquer coisa.
Rea começou a caminhar de volta para a sua aldeia, apreensiva, apanhada num remoinho de emoções misturadas, mal preparada para enfrentar a desaprovação que, ela sabia, estaria à sua espera. Os aldeões insistiriam para que nenhum filho dos saqueadores da sua cidade, dos homens que lhes haviam tirado tudo, sobrevivesse. Rea dificilmente poderia culpá-los; engravidar as mulheres era uma tática comum dos saqueadores para dominar e controlar as aldeias em todo o reino. Às vezes eles eram mesmo enviados para isso. E ter um filho só alimentava o seu ciclo de violência.
Ainda assim, nada disso poderia mudar a forma como ela se sentia. Uma vida vivia dentro dela. Podia senti-la a cada passo que dava. Ela sentia-se mais forte por aquela vida. Ela podia senti-la a cada batimento cardíaco, pulsando através do seu próprio.
Rea caminhou pelas ruas do centro da aldeia, de volta para a sua cabana de uma assoalhada, sentindo o seu mundo virado do avesso, querendo saber o que pensar. Grávida. Ela não sabia como estar grávida. Ela não sabia como dar à luz uma criança. Ou como criar uma. Ela mal conseguia alimentar-se a ela própria. Como é que ela poderia sustentá-la?
No entanto, de alguma forma, ela sentiu uma nova força a erguer-se dentro dela. Ela sentia-a a pulsar nas suas veias, uma força que ela só tomara vagamente consciência nestas últimas três luas, mas que agora tinha ficado perfeitamente nítida. Era uma força para além dela. A força do futuro, da esperança. Da possibilidade. De uma vida que ela nunca conseguiria escolher o destino.
Era uma força que exigia que ela fosse maior do que jamais conseguiria ser.
Ao caminhar lentamente pelas ruas de terra, ela começou a ficar vagamente consciente do que a rodeava e dos olhos dos aldeões a olhar para ela. Ela virou-se e, em ambos os lados da rua, viu os olhos curiosos e de desaprovação de mulheres novas e velhas, de homens velhos e rapazes, de sobreviventes solitários, de homens mutilados que traziam as cicatrizes daquela noite. Todos transportavam nos seus rostos grande sofrimento. E todos eles olhavam para ela, para a sua barriga, como se ela fosse de alguma forma culpada.
Entre eles, ela via mulheres da sua idade, de caras assombradas, olhando para ela sem compaixão. Muitas delas, Rea sabia, tinham também sido engravidadas e já tinham tomado a raiz. Ela conseguia ver a tristeza no seu olhar e conseguia sentir que elas queriam que ela a compartilhasse.
Rea sentiu a multidão a engrossar à sua volta e quando olhou para cima ficou surpreendida ao ver uma parede de pessoas a bloquearem-lhe o caminho. A vila inteira parecia ter saído à rua, homens e mulheres, jovens e velhos. Ela via a agonia nos seus rostos, uma agonia que ela tinha partilhado. Ela parou e olhou para eles. Ela sabia o que eles queriam. Eles queriam matar o seu filho.
Ela sentiu uma repentina onda de desafio – e resolveu naquele momento que nunca o faria.
"Rea", ouviu-se uma voz grossa.
Severn, um homem de meia-idade com cabelo escuro e barba, uma cicatriz na bochecha feita naquela noite, estava ao centro e olhou para ela, cima abaixo, como se ela fosse um pedaço de gado. Passou-lhe pela cabeça dela que ele não era muito melhor do que os nobres. Eles eram todos iguais: todos achavam que tinham o direito de controlar o seu corpo.
"Tu vais tomar a raiz", ele ordenou sombriamente. "Vais tomar a raiz e amanhã tudo isto vai ficar no teu passado."
Ao lado de Severn, uma mulher deu um passo adiante. Luca. Ela também tinha sido atacado naquela noite e tinha tomado a raiz na semana anterior. Rea tinha-a ouvido a gemer durante toda a noite, gritando de dor pelo seu filho perdido.
Luca deu-lhe um saco, com o pó amarelo a ver-se lá dentro. Rea recuou. Ela sentiu a aldeia inteira a olhar para ela, esperando que o aceitasse e levasse.
"Luca irá acompanhar-te ao rio. Ela vai ficar contigo durante a noite.", acrescentou Severn.
Rea olhava para ele, sentindo uma energia estranha a crescer dentro dela ao olhar para todos eles friamente.
Ela não disse nada.
Os rostos deles endureceram-se.
"Não nos desafies, miúda", disse outro homem, aproximando-se, segurando a sua foice com força até os seus dedos ficaram brancos. "Não desonres a memória dos homens e mulheres que perdemos naquela noite, dando vida aos seus filhos. Faz o que esperam de ti. Faz o que tens a fazer."
Rea respirou fundo e ficou surpreendida com a força da sua própria voz ao responder:
"Eu não o farei."
A sua voz soava-lhe estranha, mais profunda e madura do que nunca. Era como se ela se tivesse tornado numa mulher do dia para a noite.
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