Название: A Revolução Portugueza: O 5 de Outubro (Lisboa 1910)
Автор: Abreu Francisco Jorge de
Издательство: Public Domain
Жанр: Историческая литература
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Felizmente, não succedeu assim. O dictador, tendo-se-lhe desenrolado ante a vista turva uma boa parte da machinação revolucionaria, embrenhou-se, naturalmente, n'um amontoado de providencias de occasião. Primeiro que tudo, collocou a mordaça do estylo na bocca da imprensa; ordenou uma sahida de tropas que equivalia á declaração do estado de sitio, visto que ellas é que fizeram na madrugada de 29 a policia da cidade; ordenou rusgas; remetteu para os fortes grandes levas de presos; exhibiu a cavallaria da municipal em diversos locaes para aterrar, para suffocar o menor impulso de reacção; e no dia 29 preparou-se para completar a sua obra de repressão com o famoso decreto que o ministro Teixeira de Abreu levou a Villa Viçosa á assignatura do rei Carlos.
O governo franquista, não satisfeito com o ter lançado á tôa para diversas prisões todas as creaturas que a policia encontrou nas ruas da cidade, momentos depois do ataque á esquadra do Rato, aprestava-se a expellir pela barra de Lisboa todos os politicos, todos os cidadãos que, n'uma hora de legitima revolta contra um regimen de perfeita tyrannia, tinham ousado preparar a queda logica, indispensavel, do throno dos Braganças. Á atmosphera de pavôr immenso, que creara com essas perseguições arbitrarias – o governo civil de 28 para 29 encheu-se rapidamente de populares – queria sobrepôr uma verdadeira mortalha, embrulhando no famoso decreto todas as individualidades que elle suppunha, com bom ou mau fundamento, implicadas na conspiração.
Não o conseguiu, porém. E não o conseguiu, porque, mal o decreto foi publicado no Diario do Governo e antes que o dictador iniciasse a sua applicação feroz, outra força, e extraordinaria força, com que elle nunca sonhara, impediu a consecução dos seus designios. O regicidio travou a corrida vertiginosa para a selvajaria que o gabinete João Franco desfechara, pretendendo convencer o paiz de que assim cumpria uma missão patriotica. O regicidio… sim, foi o regicidio que evitou um authentico attentado brutal, anti-politico, libertou dos ferros da prisão alguns dos organisadores da revolta de 4 e 5 de outubro e impediu que muitos dos que implantaram a Republica em Portugal gemessem até essa data gloriosa no desterro abrasador…
CAPITULO VII
O regicidio – Quem disparou primeiro: Buiça ou Costa?
Chegámos ao ponto menos esclarecido d'este periodo historico. Desde a tarde de 1 de fevereiro de 1908, em que o rei Carlos e seu filho Luiz Filippe baquearam no Terreiro do Paço sob as balas desferidas por um reduzido numero de conjurados, tem-se dito tanta coisa sobre esse acontecimento que e licito suppôr que a verdade ainda permaneça envolta em denso veu. Não temos a pretenção de proferir a ultima palavra a tal respeito; mas ouvimos mais do que uma vez a pessoas bem informadas referencias ao caso, e essas referencias auctorisam-nos a considerar o regicidio sob um aspecto muito diverso do que aquelle por que é vulgarmente conhecido.
A propria policia, apesar de haver conseguido em dado momento obter um ou dois depoimentos razoaveis, nunca tirou a limpo a veridica historia do caso. E porque? Pela razão muito simples de que, tendo orientado as suas diligencias n'um determinado sentido, d'essa orientação nunca se desviou, apezar de errada. Teimou em ver no regicidio o acto de muitos conspiradores, longamente deliberado, e d'ahi não se afastou, embora o seguimento da instrucção do processo por mais de uma vez lhe indicasse o contrario. Persistiu em ver sobre as cabeças dos regicidas uma influencia especial, uma sugestão de politicos burguezes, sem coragem para perpetrarem o acto e confiando esse encargo a creaturas exaltadas, a libertarios decididos e energicos, e afinal, por aquillo que ouvimos ás pessoas as quaes já alludimos, nada d'isso existiu senão para ser utilisado no momento opportuno como uma arma de combate nas mãos dos reaccionarios.
Comprehende-se perfeitamente que, após o insuccesso do 28 de janeiro e o conhecimento das medidas ferozes preparadas pelo dictador, a opinião soffresse immediatamente um accrescimo de odio contra esse governo que não hesitava em immolar no altar da sua vingança diversos patriotas, cujo unico crime era o de se terem eximido, ou procurado eximir-se, ás suas prepotencias. Essa exaltação da opinião devia ter-se reflectido mais fundamente nos elementos revolucionarios que para o movimento de 28 de janeiro haviam prometido o concurso d'uma acção efficaz sobre os tyrannos do paiz. Quantos d'esses revolucionarios na madrugada de 31 e no periodo de horas que decorreu até ao desembarque da familia real no Terreiro do Paço, não pensaram n'outra coisa que aliás dominava o espirito até dos mais conservadores: a necessidade de se eliminar o dictador? Quantos? Essa eliminação estendiam-na naturalmente, sem hesitações, ao monarcha dos adiantamentos, porque a verdade é que para um revolucionario que pretendia supprimir uma situação de absolutismo não bastava, de certo, fazer desapparecer o braço executor do regimen de oppressão. Tornava-se imprescindivel liquidar a personificação individual d'esse mesmo regimen. Esta é a verdade e já explica, de certo, muitos dos episodios que caracterisaram a tragedia do Terreiro do Paço.
Quem passasse n'aquelle ponto da cidade na tarde de 1 de fevereiro, momentos antes do desembarque da familia real, ainda que totalmente alheio ao que d'ahi a pouco se ia desenrolar, teria a impressão de que a atmosphera, excessivamente carregada, por força desabaria em medonha tempestade. No Terreiro do Paço havia relativamente poucos curiosos a aguardarem aquelle desembarque. Em compensação, a policia, fardada e á paisana, mobilisara-se á valentona, circulando desconfiadissima por entre a assistencia.
O momento era solemne. As creaturas que palpitavam com frequencia a opinião desde o insuccesso do 28 de janeiro, calculavam com fundamento que alguma coisa se produziria, quanto mais não fosse uma manifestação platonica de desagrado ao monarcha e ao seu primeiro ministro. Outras, pelo contrario, não acreditavam n'uma explosão do odio popular e sorriam desdenhosamente perante as menores apprehensões. Acreditavam demasiado na indolencia do povo escravisado e no falso prestigio do soberano.
A policia, repetimos, a propria policia, que conhecia sufficientemente a extensão do trama revolucionario, que afinal se não desfizera ao mallogro da projectada revolução, tambem não tinha a noção do perigo que ameaçava o throno. Esse perigo, voltamos a insistir, não derivava simplesmente de uma combinação prévia feita entre meia duzia de homens desejosos de reintegrar o paiz na normalidade. Nascera e progredira na consciencia da maioria dos revolucionarios e até dos que não commungavam nos segredos da revolta. Era uma coisa acceite em principio e se toda a grande massa de povo soffredor possuisse a energia, a decisão prompta dos poucos homens que collaboraram no regicidio, este acontecimento teria sido da responsabilidade directa, não de cinco, como se affirma, mas de cincoenta, de quinhentos, de cinco mil…
Ha um relatorio policial, elaborado tempos depois da morte de D. Carlos e de seu filho, que pretende filial-a n'uma conjura mais radical nos seus meios de acção do que a que preparou o 28 de janeiro. Fala-se ahi de varios individuos, amigos do professor Buiça e de Alfredo Costa, como implicados n'essa conjura e até quasi se assegura que o grupo decidido a executar o monarcha e o principe comprehendia duas ou tres duzias de homens, escalonados desde o Terreiro do Paço ás Necessidades para a execução d'essa sentença lavrada em conciliabulo tenebroso.
Na realidade, para a nossa phantasia de meridionaes, não se percebia que um acto de tanta repercussão mundial fosse praticado sem o apparato scenico de muitas reuniões secretas, com as indispensaveis capas de embuçados e o juramento terrivel prestado em meio d'um silencio aterrador. E a policia influenciou-se d'essa phantasia, apesar de uma das suas averiguações consignar claramente um facto que reputou verdadeiro e de grande importancia para o esclarecimento do regicidio: o cavaco animado travado entre cinco homens na madrugada de 1 de fevereiro á esquina do Café Suisso. N'esses cinco homens contavam-se o professor Buiça e Alfredo Costa. Os restantes, quem eram? Vivem ainda? A policia chegou a conhecel-os? E que projectavam n'essa madrugada celebre? Decidiam ali, em plena rua, o plano do regicidio, ou apromptavam-se para um acto bem diverso?
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