8. Ac. STJ de 2-04-2008: A proibição de prova em sentido próprio no sistema processual penal português é somente aquela norma probatória proibitiva cuja violação possa redundar na afectação de um dos direitos pertencentes ao núcleo eleito no art. 32.º, n.º 8, da Lei Fundamental, e que o art. 126.º do CPP manteve, sem alargar.
Diferentemente, as regras de produção da prova – cf., v.g., o art. 341.° do CPP – visam apenas disciplinar o procedimento exterior da realização da prova na diversidade dos seus meios e métodos, não determinando a sua violação a reafirmação contrafáctica através da proibição de valoração. As regras de produção da prova configuram «meras prescrições ordenativas de produção da prova, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova (…) mas unicamente a eventual responsabilidade (disciplinar, interna) do seu autor». Umas vezes pré-ordenadas à maximização da verdade material (como forma de assegurar a solvabilidade técnico-científica do meio de prova em causa), as regras de produção da prova podem igualmente ser ditadas para obviar ao sacrifício desnecessário e desproporcionado de determinados bens jurídicos.
9. Ac. STJ de 31-01-2008: Repensar os numerosos e difíceis problemas que se situam em zonas conflituais era tarefa que – ao tempo (1983) – haveria de cometer ao reformador da legislação processual penal. E este, no CPP de 1987, distinguiu as «provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas» (art. 126.1 do CPP) das «provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou na telecomunicações» (n.º 2): aquelas – em que os meios de obtenção da prova ofendiam «interesses individuais que contendem directamente com a garantia da dignidade humana» – considerou-as absolutamente nulas; mas já «admitiu» (art. 125.º) as demais – por não contenderem directamente com a garantia da dignidade da pessoa – quando obtidas «com o consentimento do titular» ou, mesmo sem este, nos «casos previstos na lei» (art. 126.2).
É certo que estas 'são igualmente nulas' (também, por isso, 'não podendo ser utilizadas') quando, 'ressalvados os casos previstos na lei', forem 'obtidas sem o consentimento do respectivo titular'. Mas se assim é quanto às provas directamente obtidas por 'métodos proibidos' (que 'são nulas, não podendo ser utilizadas'), já – 'perante interesses individuais que não contendam directamente com a garantia da dignidade da pessoa' – 'poderá eventualmente vir a reconhecer-se a admissibilidade de provas consequenciais à violação da proibição de métodos de prova'.
E, em tal hipótese, a circunscrita invalidação (ou inutilização) da prova (directamente) obtida poderá satisfazer os interesses (de protecção constitucional da privacidade das conversações ou comunicações telefónicas, sem afectação do conteúdo essencial do correspondente preceito constitucional) decorrentes da proibição do art. 126.3 do CPP.
Pois que a optimização dos interesses em conflito (aqueles, por um lado, e os de 'um eficaz funcionamento do sistema de justiça penal', por outro) poderá demandar (ante a (estrita) 'necessidade' de protecção 'proporcionada' dos últimos (também eles 'juridicamente protegidos por essenciais à vida comunitária') – a conjugação (ou 'concordância prática') de ambos em termos de 'criação e conservação de uma ordem na qual uns e outros ganhem realidade e consistência'.
Ora, será justamente no âmbito dos efeitos à distância dos 'métodos proibidos de prova' que se poderá dar consistência prática a essa distinção entre os métodos previstos no n.º 1 do art. 126.º e os previstos no n.º 3, pois que, enquanto os meios radicalmente proibidos de obtenção de provas inutilizará – expansivamente – as provas por eles directa e indirectamente obtidas, já deverá ser mais limitado – em função dos interesses conflituantes – o efeito à distância da 'inutilização' das provas imediatamente obtidas através dos demais meios proibidos de obtenção de provas (ofensivos não do 'valor absoluto da dignidade do homem', mas de 'interesses individuais não directamente contendentes com a garantia da dignidade da pessoa', como a 'intromissão sem consentimento do respectivo titular' na 'vida privada', 'no domicílio', na 'correspondência' ou nas 'telecomunicações').
'Sobretudo quando [como no caso] a nulidade do meio utilizado (a 'escuta telefónica') radique não nos seus 'requisitos e condições de admissibilidade' (art. 187.º) mas nos 'requisitos formais' das correspondentes 'operações'. Pois que, sendo esta modalidade, ainda que igualmente proibida (art.s 126.1 e 3 e 189.º), menos agressiva do conteúdo essencial da garantia constitucional da inviolabilidade das telecomunicações (art. 34.4 da Constituição), a optimização e a concordância prática dos interesses em conflito (inviolabilidade das comunicações telefónicas versus 'verdade material' e 'punição dos culpados mediante sentenciamento criminal em virtude de lei anterior que declare punível a acção') poderá reclamar a limitação – se submetida aos princípios da necessidade e da proporcionalidade – dos 'interesses individuais, ainda que emanações de direitos fundamentais, que não contendam directamente com a garantia da dignidade da pessoa.
10. Ac. STJ de 15-11-2007: I. Há que distinguir as nulidades processuais de que tratam os art.ºs 118.º e segs. dos 'meios proibidos de prova', de que trata o art.º 126.º.II. A 'nulidade' cominada pelo art. 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal não pode ser vista como uma 'nulidade dos actos processuais' nem lhe cabe o regime processual dos art.ºs 118.º e ss., pois o próprio art.º 118.º sublinha expressamente, no seu n.º 3, que 'as disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova'.III. A 'nulidade' dos métodos proibidos importa sempre, quanto à sua «admissibilidade', a 'proibição da sua utilização' e, quanto ao seu 'valor', a 'irrelevância' dos métodos proibidos porventura utilizados'.
IV – De acordo com o art.º 355.º do CPP, não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência, com ressalva das provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas. E, em princípio e salvo excepções que não vêm aqui ao caso, só podem ser lidos na audiência os autos de inquirição prestados perante o juiz (art.º 356.º). V. Assim, o tribunal recorrido não devia ter mencionado, ainda que para fundamentar a sua convicção, as inquirições prestadas por certas testemunhas em sede de inquérito, como sendo contraditórias com as prestadas na audiência.
11. Ac. STJ de 26-09-2007: Existe uma diferença qualitativa entre a intercepção efectuada à revelia de qualquer autorização legal e a que, autorizada nos termos legais, não obedeceu aos requisitos a que alude o art. 187.º do CPP. Nesta hipótese o meio de prova foi autorizado, e está concretamente delimitado em termos de alvo, prazo e forma de concretização, e, se os pressupostos de autorização judicial forem violados, estamos em face de uma patologia relativa a uma regra de produção de prova e não a uma situação de utilização de um meio proibido de prova (art. 126.º, n.º 3, do CPP).
Resumidamente, e dito com Peters, as regras de produção da prova são «ordenações do processo que devem possibilitar e assegurar a realização da prova. Elas visam dirigir o curso da obtenção da prova sem excluir a prova. As regras de produção da prova têm assim a tendência oposta à das proibições de prova. Do que aqui se trata não é de estabelecer limites à prova como sucede com as proibições prova, mas apenas de disciplinar os processos e modos como a prova deve ser regularmente levada a cabo.
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