Principios e questões de philosophia politica (Vol. II). Cândido António
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СКАЧАТЬ na lista de cada eleitor.

      II

      O suffragio politico é concedido para a formação de assembléas legislativas, ou de corporações incumbidas da administração local. Para que elle produza, pelo melhor modo, o seu resultado, qual d'estas duas cousas será mais conveniente: a votação de cada eleitor n'um só nome, destinado a representar um determinado circulo, ou a votação de lista com muitos nomes, que ficam constituindo a representação collectiva d'uma area mais larga?

      Do simples enunciado da questão resalta já que ella é de pura fórma, extranha ao que poderia chamar-se, em linguagem antiga, a essencia do suffragio. O que se debate é o valor relativo de dois processos empregados para a consecução da mesma cousa, de dois modos de aproveitar praticamente uma força, que, em qualquer d'elles, subsiste como era.

      Não partem da mesma ordem de idéas os que defendem o voto uninominal e os que rompem lanças em defesa da lista multipla. Aquelles preoccupam-se mais do interesse e da competencia do eleitor; estes visam principalmente á melhor constituição das assembléas politicas. Os primeiros representam, n'esta questão, a escola que considera o suffragio como um direito; os segundos pertencem á que considera o voto politico, não como um direito do homem, mas como o privilegio do cidadão, subordinado aos interesses geraes do Estado.

      Diga-se de passagem que esta distincção tem um grande sabor metaphysico. Contra a comprehensão do suffragio como um direito insurge-se a anthropologia, estudada pelos modernos processos; contra a definição d'elle como privilegio levanta-se a historia da sua generalisação, póde dizer-se que até ao limite extremo, nos mais adeantados povos da Europa e da America.

      É á philosophia naturalista do seculo XVIII que se deve a idéa de que todos os homens, pelo só facto de serem homens, devem ter egual participação no governo das sociedades. A declaração dos direitos do homem e do cidadão, com que abre a constituição franceza de 1793, consagra, no art. 6.º, este principio: a liberdade tem por fundamento a natureza. Esta phrase vem da Encyclopedia.

      Mas a natureza, como a entendia aquelle seculo, não é qual a descrevem as sciencias de hoje. Era então um mixto de factos positivos e de abstracções idealistas, um conceito absoluto de que era facil deduzir as mais ousadas consequencias. E passava-se da natureza para a sociedade, importando ao regimen d'esta as mesmas illusões egualitarias que a sciencia consagrava n'aquella. Se a natureza é a mesma em todos os homens, todos os homens devem ter os mesmos direitos politicos. Era este o raciocinio, sympathico ás inferioridades sociaes, fulminante para as tradições estabelecidas, excellente como instrumento de negação, mas falso, falsissimo, como base da nova ordem de instituições, que era necessario edificar sobre os escombros do passado.

      O naturalismo de hoje formúla conclusões oppostas áquella doutrina. Buffon e Diderot são triumphantemente combatidos por Darwin e Haekel. É já verdade incontestada que os progressos da civilisação, differentes de povo para povo, e, dentro do mesmo povo, de classe para classe, produzem novas faculdades naturaes, e que a obra do esforço humano se perpetúa conjunctamente nas paginas da historia e na anatomia do cerebro.

      A este modo de explicar as desegualdades sociaes corresponde a doutrina que considera o voto como um encargo, na phrase de Stuart Mill6, ou como um direito publico, por opposição a direito natural, na linguagem de Bluntschli8. O direito de suffragio, diz este illustre professor, não é um direito natural do individuo, como pretende o Contracto Social, mas um direito publico derivado do Estado, existindo só no Estado, não podendo servir contra elle. É como cidadão, não como homem, que o eleitor vota; elle não deduz o seu direito de si mesmo, das necessidades da sua existencia, ou do seu desenvolvimento pessoal, mas da constituição do Estado, e para bem d'este.

      Infelizmente as lições da moderna biologia e as profundas theorias dos mais eminentes publicistas vieram tarde, demasiadamente tarde. A revolução politica, que estendeu a todas as classes a faculdade de intervirem na gerencia social, sem consideração pelo seu estado mental e pela sua situação economica, estava já consummada quando vieram a lume aquellas verdades. E uma revolução feita é uma fatalidade indestructivel; deixa sempre na organisação dos povos um elemento novo, bom ou máo, mas tão firme, tão persistente como as camadas geologicas que se sobrepõem na constituição do nosso planeta.

      III

      Quando, no verão passado, a questão da lista multipla (scrutin de liste) appareceu no parlamento francez por uma proposta do deputado Bardoux, defensores e adversarios d'ella invocaram a historia dos dois regimes eleitoraes, querendo os primeiros mostrar que estavam com as mais genuinas tradições republicanas, e sustentando os segundos, com inflammado interesse, a these opposta.

      Sem embargo de ser pouco edificante vêr uma das mais brilhantes assembléas do mundo dividir-se assim na interpretação de factos tam proximos e tam geraes, é certo que a intenção de todos elles era perfeitamente legitima, porque a melhor prova d'uma instituição pratica é a experiencia que d'ella se faz.

      Houve exaggero de um e outro lado, mas da parte dos que pugnavam pela lista multipla estava maior porção de verdade historica. A lei de 22 de dezembro de 1789, a primeira que a França teve sobre liberdade politica, mandava fazer as eleições pelo voto plurinominal, e do mesmo modo dispunham a Constituição de 1791, o decreto de 12 de agosto de 1792, a Constituição de 1793 e a do anno III. Este systema, hybridamente combinado com o do suffragio uninominal, atravessou todo o periodo da Restauração, e só em 1831, no estabelecimento da monarchia de julho, foi que elle teve de ceder, ficando em vigor, até 1848, o suffragio por circulo, que a revolução d'esta data aboliu logo por um acto do governo provisorio, sendo a lista multipla adoptada para a formação das duas assembléas republicanas. O principe L. Bonaparte, ainda presidente, substituiu-lhe o voto uninominal, que serviu admiravelmente, em todo o tempo do imperio, aos nefastos intuitos d'este famoso aventureiro. A terceira republica reviveu o regimen eleitoral de 1849, e foi por elle formada a assembléa de 1871. Substituido pelo outro systema em 1875, voltou, no anno corrente, a ser proposto, questionado apaixonadamente e por fim votado na camara franceza, depois d'um dos mais notaveis discursos com que a poderosa eloquencia de Gambetta tem illuminado a tribuna de Mirabeau; e se a fortuna lhe foi adversa no senado, talvez isso se deva antes a rivalidades pessoaes do que a divergencias de doutrina.

      D'este summario historico vê-se que a democracia franceza tem decidida predilecção pela lista multipla, que ainda póde invocar em seu favor as malquerenças dos ministros de Luiz Philippe e dos cortesãos de Napoleão III.

      Menos avisado andava, pois, o deputado Charles Boysset, relator da commissão que deu parecer contrario á proposta de Bardoux, quando escrevia que aquelle systema eleitoral não tinha honrosos precedentes; e ainda menos feliz quando a paixão e o interesse partidario o levavam á injustiça de dizer que a assembléa de 1848 era mediocre de espirito e de coração! A grande voz de Gambetta vingou nobremente a memoria da revolução de 1848 n'estas eloquentes palavras: A assembléa constituinte d'esta epocha está acima de todas as aggressões e de todas as criticas, quer se falle do seu coração, quer do seu espirito. Todos podem julgar, á sua vontade, o coração das assembléas, mas o brilho do talento, o prestigio dos caracteres… Qual é o talento, o genio, o illustre homem politico que não tinha logar na assembléa de 1848, com excepção do sr. Guizot? Eu vejo-os ahi todos. A sua politica pertence ás disputas dos homens, mas não o ascendente do seu espirito, da sua auctoridade. Eu creio que, depois da Convenção, a assembléa de 1848 é a maior que a França tem na ma historia.

      A camara de Versailles não merecia ao eminente orador uma phrase de rehabilitação; mas, n'um dos mais distinctos movimentos da sua eloquencia, o suffragio СКАЧАТЬ



<p>6</p>

Gouvern. Représ., pag. 226.

<p>8</p>

La Politique, pag. 275.