Название: Pero da Covilhan: Episodio Romantico do Seculo XV
Автор: Brandão Zephyrino
Издательство: Public Domain
Жанр: Зарубежная классика
isbn: http://www.gutenberg.org/ebooks/32296
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Ao lado d'essa immensa móle altea-se suberba a torre de tijolo côr de rosa, que coroava a mesquita, e é rematada por outra de menores dimensões com variedade de pinturas mui singulares em todo seu circuito. Este minarete, o mais notavel monumento arabe, da sua classe, na peninsula, foi construido pelo celebre alchimista e architecto Géber, a quem se attribuio, sem fundamento, a invenção da algebra.
– Não olvide o leitor, que estamos no decimoquinto seculo, em que não existe ainda o Giraldillo, e por isso a torre não é conhecida pelo nome de Giralda.
Numerosa a casaria da praça; alguns edificios podem comparar-se em tudo com palacios realengos.
As mulheres prezam-se de caminhar com garbo e passo curto; de fallar com graça e vivacidade; de vestir com louçania e riqueza; de dançar e cantar ao som das castanholas e das guitarras com elegancia e desenvoltura; de encobrir com a mantilha um dos seus formosissimos olhos por tal arte, que parece terem cravado na face um diamante negro, a reflectir a luz fulgorosissima do bello sol da Andaluzia.
O sevilhano passa por nós muito ancho da sua pessoa, e da sua Sevilha, que não só possue os titulos de mui leal, mui nobre e mui heroica, senão que é patria de notabilissimos santos; por isso até um poeta exclama patrioticamente:
«Que Dios, Sevilla, en tu preciosas venas
Para el Cielo crió tantos tesoros,
Cuantas el ancho mar esconde arenas,
Cuantas estrellas los celestes coros!»
Sem embargo de tamanha gloria, a cidade de Maria Padilla tem sido tambem algo peccadora…
A nobreza opulenta de rendas de seus vastos dominios ruraes, em que abundam frutos e gados, sustenta luzidas tropas de escudeiros fidalgos, que põe ao seu serviço e ao dos reis, alentando os impulsos das proprias ambições e prosapias.
Nas suas casas tem grandes depositos de armas, e nas suas cavallariças centenares de cavallos. Empara em vida os de sua hoste, e deixa-lhes fartos legados em seus testamentos.
Um d'esses grandes senhores é o duque de Medina Sidonia; ou de Sevilha, como tambem o tratam.
Entremos no seu palacio.
Este grandioso edificio, exteriormente austero e nú, ostenta no interior uma riqueza enorme, um luxo deslumbrante e voluptuoso, que determina a influencia exercida em Hespanha pela civilisação arabe. Póde considerar-se uma vivenda semi-oriental, como todas as do estylo mudejar, a que pertence, para a construcção das quaes as duas artes, christã e mahometana, se dão as mãos com tal engenho, que se harmonisam perfeitamente os dois elementos de manifestações tão diversas.
– Como sabido anda, os arabes que ficaram com os christãos, depois de certos tratados, em virtude dos quaes se lhes permittia conservar suas leis, religião e costumes, chamavam-se mudejares, e nas edificações, em que eram empregados, imitavam o luxo e magnificencia dos povos, que os da sua raça haviam conquistado, especialmente da Persia.
Tornando, porém, ao ponto: na disposição geral do palacio adoptou-se o estylo arabe, estabelecendo-se amplos pateos, e galerias, em volta das quaes demoram as habitações.
A sala principal pertence ao terceiro periodo arabe puro. As paredes d'ella recordam os ricos tecidos orientaes da Persia, assim por seus desenhos primorosos, como pelo brilhantismo do colorido. O pavimento acha-se coberto com uma alcatifa persa de um avelludado suavissimo. No tecto, o elemento decorativo predominante são estalactites e laçarias, tudo realçado com applicação de côres e douraduras.
Os peregrinos ornatos d'esta sala bastam, para confirmar a frondosa imaginação dos artistas mahometanos, e o respeito por elles tributado ás suas tradições gloriosas.
Móvel não se vê, a não ser uma larga cadeira de espaldar, com sobrecéo e estôfo de brocado. No centro da espalda, o brazão dos Medina Sidonia. Uma riquissima almofada de setim bordada a ouro está collocada aos pés d'esta cadeira, em que sómente costuma sentar-se o duque, ou algum extrangeiro de distincção, que o visita, e a quem elle offerece esse lugar de honra.
Em outras salas, paredes forradas de pannos de Arraz e de Flandres, representando episodios da vida de Christo, assumptos mysticos, batalhas, torneios e scenas de caça; ou cobertas de tapetes turcos, imitando persas, guadamecins e azulejos, tendo os sóccos revestidos de mosaicos esmaltados. Os tectos, estucados e pintados, com imitações mais ou menos exactas da flora. Alguns pavimentos, alcatifados.
Nos aposentos dos duques pendem das paredes quadros de Giotto e da sua escola, de João Van-Eyck, Roger van der Weyden, e do patriarcha da pintura sevilhana, Juan Sanchez de Castro, que poucos annos antes fundára a sua escola. As paredes e tectos da ante-camara, armados e toldados de riquissimos lambeis. Os móveis, de páu-santo, primorosamente entalhados e forrados de brocado e ouro.
Na sala da duqueza vê-se um magnifico relicario, d'estes que o clero manda executar sobre desenhos proprios para maravilhar os fieis, tal é a perfeita intelligencia, que elle tem do seu tempo. Em cima de uma credencia com tres compartimentos em fórma de degráus, cobertos de setim e rendas de Flandres, repousam varios objectos de uso senhoril, uns de ouro, outros de prata e crystal de Veneza. Sobre um bufete de abano, coberto com um bancal de velludo, tendo ao meio bordadas as armas da duqueza, acham-se livros de horas luxuosamente encadernados e brochados de prata, uma escrevaninha de ouro, flores em vasos de crystal e castiçaes de ouro. Nos angulos da sala, açucenas em amphoras preciosas proclamam a sua candura triumphal, e roseiras enroladas em columnas de onyx exhalam a sua fragancia suavissima.
As paredes da sala de armas do duque exhibem trophéos de armas arabes, despojo rico das batalhas das Navas e do Salado, como: rodellas, adargas, onde se lêem lemmas bordados a fio de ouro e a matiz, lanças em fórma de meia lua, espadas, gomias, tridentes e alfanges de dois fios.
Amplas colgaduras, tendo bordadas as armas da casa, encobrem completamente as estreitas portas de alerse.
O mobiliario do palacio, em geral, consiste: em cadeiras de espaldar coroado por dentilhões, tendo entalhado o brazão das armas de Niebla, titulo da familia Medina Sidonia, ou simplesmente a corôa ducal; algumas cadeiras ainda, lavradas com atauxias de ouro, marfim, prata ou cobre, e umas e outras com escabellos fixos ou moveis; almofadas de seda, sobrepostas duas a duas, e servindo de assento na sala de recepção da duqueza; faldistorios, tamboretes de espaldar, bancos longos e de espaldas, almofadados de tela de ouro e velludo; bancos de thezoura, bufetes de ebano artisticamente entalhados de prata, candelabros dourados, arcas para assentos, armario, cofre e até mesa de escrever, todas de madeiras preciosas e guarnecidas de prata, ferro ou bronze; relogios de parede em luxuosas caixas, umas de madeira, outras de ferro. Muito d'este mobiliario é coberto de ricas tapeçarias orientaes, que lhe dão um aspecto delicado e alegre com as côres vivas de seus bordados caprichosos. Emfim, mesas de prata, de ouro e de bronze, quadradas, de um pé só, além de outras de madeira, iguaes áquellas no formato, e sobre que se vêem magnificos vasos de flores, cravejados de pedras preciosas, outros vasos de prata lavrada, salvas e floreiras.
Não entremos na ante-camara do duque, onde elle conversa agora com D. Juan de Guzman, que tem sido o seu irmão predilecto.
Conforme o costume, a duqueza saiu logo de manhã para o jardim com as dez donzellas, suas familiares, levando, como cada uma d'estas, na mão um rosario e um livro de missa.
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