Название: Contos
Автор: João da Câmara
Издательство: Public Domain
Жанр: Зарубежная классика
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– Porque falas n'isso? Que te importa? Que me importa?
A curiosidade da Marianna ainda não estava satisfeita.
– Com quem?.. Dize… Dize… Com quem?
Então o mestre-escola, muito córado – era talvez da pinga? entendeu dever deixal-os sós, e sahiu a rir, com um arsinho trocista, muito contente, a esfregar as mãos.
O PAQUETE
Era no fim da azinhaga – uma azinhaga estragada pelas chuvas do inverno e tendo ainda marcada na lama secca a passagem do ultimo carro de bois. D'um lado e d'outro velhas piteiras misturavam a côr verde claro das largas folhas carnosas com o verde escuro, quasi negro, das silvas e pilriteiros; de espaço a espaço erguiam-se algum sobreiro decrepito, faias brancas e prateadas, loureiros embalsamando o ar com o cheiro forte e bom das longas folhas agudas.
No fim erguia-se a casa com o seu aspecto senhoril.
A hera apoderára-se do exterior e, aproveitando as fendas que o tempo abrira, espreguiçando-se sobre o leito do velho musgo amarello que revestia cada pedra da parede, ia unir as suas folhas delicadas aos cachos de arroz que desciam em elegantes pyramides das beiras do telhado.
Uma pequena escada, seis ou sete degraus gastos, abalados, partidos, conduzia do pateo ao vestibulo do palacio.
Sobre o portão, cuja tinta gretada pelo sol caíra pouco a pouco, ostentava-se, comido pelo tempo, o brasão da familia, sobre o qual ameaçava ruina uma grande coroa de conde transformada em coito de lagartixas.
Os vidros ennegrecidos e apenas translucidos tremiam de velhice nos caixilhos de chumbo.
Pelo pateo, nos intersticios das pedras, crescia livremente a erva, e a um canto um rallo juntava as estridulas melodias ao monotono coaxar das rãs do pantano visinho.
O Conde estava na livraria sentado n'uma velha poltrona de coiro com pregos de metal. Tinha na mão um livro latino, que lia attentamente.
A livraria era uma vasta sala alumiada por trez janellas de grande vão.
Avistava-se ao longe a aldeia com seu campanario branco, suas casinhas bem caiadas, e os cimos dos choupos erguendo-se acima dos telhados e indicando a estrada que a atravessava conduzindo d'uma villa a outra.
Entre as janellas e as portas estavam as estantes com os grandes in-folios amarellos, os grossos diccionarios e as obras classicas latinas, portuguezas e francezas.
A parede fronteira ás janellas, por cima da chaminé de marmore branco, era occupada pelo retrato do avô do Conde. Era um homem alto, bem feito, sympathico. Estava vestido á epocha de D. João V. Tinha uma das mãos nos copos da espada, as suas commendas ao peito e uma sombra exquisita, forte, brutal, na metade do nariz do lado esquerdo. A moldura deixára caír o doirado e estava rendilhada pelo caruncho. A um canto uma aranha tecêra a teia e esperava pela presa, escondida n'um rasgão da tela.
O sol descia e o Conde, para lhe aproveitar os últimos raios, puchára a cadeira para o vão da janella e, com o livro sobre o joelho, o cotovello sobre a perna traçada e a testa encostada á mão, lia attentamente uma passagem de Suetonio.
O crepusculo foi invadindo a sala. O sol, depois de ter com o ultimo raio brincado um instante na testa veneranda do avô commendador, desceu para detraz do cabeço, e as grandes sombras dos montes fundiram-se pouco a pouco n'uma tinta geral.
O Conde fechou o livro sobre o index e poz-se a contemplar a aldeia.
O vento do norte entrando pelas fendas das paredes sibillava tristemente no corredor, os vidros zuniam nos caixilhos de chumbo, as aves nocturnas, que habitavam as vastas chaminés do palacio, começavam a piar e aos ouvidos do Conde chegava a alegria da aldeia como nota extranha d'uma lingua esquecida.
Meiados de novembro, as noites eram frias.
O Conde olhou tristemente para as janellas das casas dos lavradores alegremente illuminadas pelo fogo vivo das lareiras, e, estremecendo de frio dentro da velha sobrecasaca parda, levantou-se, tocou uma campainha e, mettendo as mãos nas algibeiras, começou passeando pela sala.
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