Contos. João da Câmara
Чтение книги онлайн.

Читать онлайн книгу Contos - João da Câmara страница 5

Название: Contos

Автор: João da Câmara

Издательство: Public Domain

Жанр: Зарубежная классика

Серия:

isbn:

isbn:

СКАЧАТЬ bem contra vontade, não teve outro remedio, consentiu.

***

      O bom tempo tem azas.

      Com os olhos fitos na casa pequenina, que alvejava no alto da serra, a triste chorava amargamente, lembrando-se d'aquelles primeiros mezes de casada e das alegrias que tinha, quando ouvia ao longe os latidos do Valente, que voltava da caça.

      Logo tirava da arca a toalha de linho muito alva, riscada pelo ferro; puxava a mesa para defronte da janella, que uma parreira sombreava; dispunha-a com muito cuidado, o logar d'ella e o d'elle, um defronte do outro, o cangirão cheio de vinho, o pão alvo partido em quartos, os pratos de fructa, que perfumavam a casa.

      Então o Valente entrava muito bruto, saltando, muito desordeiro, querendo que lhe abrissem a porta do pateo, para onde logo sahia a correr, enterrando o focinho na panella cheia de caldo e de grandes bocados de pão de munição.

      O José Miguel muito estafado, atirava para cima da arca a bolsa de caça, sorria ao ver aquelles arranjos e, enchendo a caneca do vinho muito fresco, bebia-o depois, de uma vez, d'olhos continuando a sorrir, soltando ao acabar um bello ah! de satisfação.

      – Vamos a isto mulher, vamos a isto! dizia approximando da mesa a grande cadeira de páu santo.

      E, todo olhares gulosos, muito sorridente, de beiços estendidos, destapava a terrina e enterrava a concha nas sopas.

      Emquanto ia comendo, vinham as historias do dia.

      Ella pouco podia adeantar: estivera em casa trabalhando, não sabia nada de novo.

      Elle então contava façanhas do Valente, que, saciada a fome, muito sujo, muito lambusado, sentado a um canto, d'olhos meio-cerrados, esperava com paciencia o fim do jantar e a codea de queijo da sobremesa.

      Estava muito velho, coitado do bicho! mas ainda nenhum lhe chegava.

      Depois queixava-se da caça. As perdizes por aquelle calor andavam levadas da breca! O que elle andára por aquelles mattos!

      A mulher, sentada defronte d'elle, ria muito contente, mostrando-lhe os dentes muito brancos entre os labios vermelhos, com duas covinhas aos cantos.

      Pois as perdizes andavam assim como elle dizia, e estava a rede ali tão cheia!

      – Mas vê lá se outro consegue o mesmo, dizia o José Miguel todo orgulhoso. É que d'aquillo e d'estas não ha outro que as tenha na aldeia.

      E apontava para a espingarda e batia nas barrigas das pernas.

      – São de ferro!

      O mestre-escola vinha muita vez, depois do jantar, ter com elles á sobremesa, beber um copo de vinho e depenicar no queijo.

      Caçador velho, muito conhecedor d'aquelles terrenos, gostava de dar conselhos ao genro, que o escutava attencioso.

      Isto não obstava a que, sahindo juntos, o José Miguel, fizesse enfurecer o sogro, matando-lhe a caça que este errava.

      – Ora anda lá, meu velho, resmungava muito alegre, apanha lá mais este, para a conta.

***

      Agora o José Miguel continuava a sahir todas as manhãs, mas só recolhia alta noite. Ás vezes, nem recolhia, e ella, coitadita, levava as noites a chorar.

      Quando o marido sahia, punha-se á janella e via-o desapparecer por detraz da egreja, onde o sol nascente batia de chapa. Passados minutos, avistava-lhe o vulto, ao longe, na calva do pinhal. O Valente seguia-o cabisbaixo, triste, desconfiado, como que a extranhar o dono. Desappareciam depois entre os pinheiros e ella já não podia cá debaixo tornar a avistal-os. Mas da chaminé da casa, que alvejava no alto, começava a elevar-se no ar muito sereno da manhã um penachinho de fumo azulado, que logo se desfazia no azul do céu.

      Ella então deitava-se de bruços na cama, e chorava convulsamente.

***

      N'esse dia pela uma hora, o Eustachio entrou em casa da filha.

      – O teu homem?

      – Foi para a caça, respondeu a Marianna, sentando-se no leito e á pressa limpando as lagrimas.

      O mestre-escola trazia o bonnet de palla verde, a espingarda a tiracolo, o polvarinho e o chumbo. Não trazia a rede.

      – Bem. Deixa-te estar. Escusas de te incommodar. Deita-te, filha, que eu vou procural-o.

      A Marianna quiz retel-o, extranhando-lhe os modos.

      – Talvez o não encontre. Sabe Deus onde elle pára!

      – Sabe-o Deus, sei-o eu e sabe-o a aldeia em peso, que é uma vergonha! respondeu o Eustachio, apontando com a espingarda para o alto do pinhal. Olha, sabes o que vou fazer?

      – Ó meu pae!.. disse a rapariga, levantando-se do leito e vindo segurar-lhe os braços.

      – Deixa-me! Muito tenho eu esperado! Não teem mais que o castigo que ambos merecem. Tu sabes quem ella é?

      A Marianna disse que não com a cabeça.

      Mas não havia de saber!..

      – A Maria da Escusa, aquella cigana, que, não contente com ter dado cabo do marido, morto de desgostos, quer fazer outro tanto ao teu homem… e a ti! Mas eu vou lá e mato-a, mato-a como quem mata uma loba!

      E, apertando, nervoso, a espingarda contra o peito, saiu arrebatadamente.

      A Marianna, cheia de susto, sem forças para seguir o pae, sem forças para gritar, deixou-se cahir no leito, desmaiada quasi, sem animo para pensar na desgraça, que lhe estava acontecendo.

***

      Assim esteve por muito tempo. Despertaram a afinal uns latidos alegres, tão conhecidos d'ella. Sentou-se no leito. Os latidos approximaram-se, e por fim o Valente rompeu pelo quarto, saltando, cheio de fome, pedindo o jantar, a arranhar na porta do pateo.

      Ouviu então a voz do José Miguel. Vinha conversando com o pae e o que diziam não era coisa triste, porque ambos riam ás gargalhadas.

      A Marianna correu, muito chorosa, até á porta, e, muito excitada, cahiu soluçando nos braços do marido.

      – O que é isso? o que é isso? perguntava o Eustachio, tambem com um nósito na garganta. Choras então, porque eu te trouxe o homem? Se adivinhasse o disparate, tinha o deixado lá ficar.

      – Então, mulher, então? Que tens tu? dizia o José Miguel muito commovido.

***

      Passada meia hora, arranjado o jantar á pressa, sentaram-se todos á mesa.

      A curiosidade, que nem um dito, uma allusão deram motivo para saciar, sorria nos olhos vivos da Marianna.

      Que se haveria passado?

      Mas, quasi ao fim do jantar, o mestre-escola, que estava conversando muito animadamente, enganou-se e, querendo beber á saude da filha, pegou no copo d'agua; o José Miguel, muito lampeiro, antes que o sogro désse pela distracção, lançou-lhe mão ao vinho e bebeu-o de um trago.

      – Não é só na caça que se apanham bigodes sr. Eustachio.

      – Não, não, respondeu o velho. СКАЧАТЬ