Название: Contos
Автор: João da Câmara
Издательство: Public Domain
Жанр: Зарубежная классика
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Os que passavam iam-lhe dando as boas tardes.
– Não tarda ahi, diziam-lhe cumprimentando-a. E é como sempre: bolsa cheia e cartuxeira vasia.
Tempos!.. Tempos!
Havia quasi um mez que a pobre Marianna debalde esperava o marido áquella hora.
Agora, quando ouvia soar as ave-marias, vinha encostar a testa aos vidros da janella e, com as faces incendiadas, o ouvido attento, fitando os olhos numa casa que alvejava ao longe sobre a serra, deixava correr em fio as lagrimas silenciosas.
E os que passavam, recolhendo ás casas, olhavam para ella com um modo tão triste, que ainda mais a entristecia, e iam dizendo uns para os outros: – Coitadinha!
O que lhe custava…! E quanto mais, ao recordar-se do outro verão que passára!
Para aquillo tinha casado, para mal decorrido um anno, um anno pouco mais, ali se vêr sósinha, chorando o marido que lhe fugira!
Porque assim fôra rebelde aos conselhos do pae? Bem lh'o tinha elle prégado no proprio dia em que dera por aquelles amores!
O pobre mestre-escola, ouvindo-a conversar uma noite, á porta da rua, viera buscal-a por um braço, arrastára-a pela escada até ao quarto lá em cima, e ali, meneando a cabeça, de braços cruzados, lançando chispas pelos olhos, dissera-lhe apenas: – Senhora!
E ella começara a chorar e logo elle, ternissimo e afflicto, a enchera de beijos.
Ainda não pensára n'aquillo…! Pois tão nova ainda, havia de assim deixal-o? E então por quem? Pelo José Miguel, um valdevinos, um doido, um conquistador!
Recordára-lhe a morte da mãe que a deixára com trez annos entregue a elle, o que elle soffrera, os cuidados de que a rodeara, a educação que lhe dera.
Era á noite, noite muito serena, cheia de murmurios misteriosos, que se elevavam dos campos n'uma grande serenidade. Ouvia-se ao longe a queda das aguas do ribeiro e o rodar das azenhas. A janella estava aberta e lá de fóra vinham perfumes quentes, fortes, no bafo carinhoso da primavera.
Junto da porta crescia uma roseira, que mettêra para dentro do quarto uma pernada insubmissa, toda cheia de cachos de rosas pequeninas. Um rouxinol cantava no salgueiral, porque isto era no tempo dos ninhos.
O mestre-escola approximou-se da janella e esteve por algum tempo respirando aquelle ar que o refrescava agora, mas que lhe trouxe não sei que recordações.
Olhou para a filha e viu-a crescida, com os peitos desenvolvidos, o pescoço muito bem torneado, o cabello farto, enrolado no alto em duas tranças; viu-lhe a carnadura branca, sadia e forte.
O rouxinol continuava a cantar e a pernada cheia de flores teve um movimento languido, vergando a um suspiro da noite.
O mestre-escola tomou uma respiração funda e fez um movimento d'hombros resignado.
– É preciso casar-te, não ha remedio.
Como por miudos se lembrava de toda a scena que tivera com o pae e dos conselhos que então lhe ouvira! Bem o previra elle que o José Miguel a havia de abandonar um dia, não porque fosse mau, mas porque era leviano, que havia de deixar a mulher como deixava agora as namoradas, que tinham sido, uma apoz outra, todas as raparigas da aldeia.
Que mal empregadas lagrimas ella chorára, até que afinal o pae consentira no casamento!
Quantas vezes, feitas as pazes, tinham os trez commentado aquella historia!
Um dia o mestre-escola fôra pelo Prior e outros convidado para uma caçada a que iria tambem o José Miguel.
Foi este quem, bastante atrapalhado, veio pela manhã bater-lhe á porta.
– Prompto, sr. Eustachio? Olhe que o Prior, ha mais de um quarto d'hora que está á sua espera no adro!
– Lá vou! lá vou! gritou de dentro o Eustachio.
E appareceu pouco depois, com a sua bota alta branca e o bonnet de pala verde, que usava havia dez annos.
– Adeus! disse ao José Miguel com máu modo.
– Sr. Eustachio…! respondeu este, cumprimentando-o, entre ironico e atarantado.
E, erguendo os olhos, entreviu na unica janella do primeiro andar, detraz das folhas da roseira, uma carinha muito bonita, mas muito triste, que lhe sorria por entre muitas lagrimas.
– Vamos! disse o Eustachio, pondo-se a caminho e olhando de revez para o outro.
– Deixa estar, grande patife! ia pensando o José Miguel. Ainda hoje m'as has de pagar!
Chegaram ao adro, onde o Prior e mais dois amigos os esperavam com impaciencia.
Depois de muitas recriminações e descomposturas, a que o Eustachio respondeu com desculpas gaguejadas, começaram ali mesmo a caçada, porque a egreja era no fim da aldeia e no sopé d'um cabeço predilecto das perdizes.
Vinte minutos depois, o cão do mestre-escola parava, e este, com o dedo no gatilho, esperava que as perdizes levantassem.
– Entra, cão!
Ouviram-se dois tiros; mas as perdizes foram-se voando com saude. O velho caçador fez um movimento de máu genio.
Então o José Miguel, collocado um pouco mais longe, apontou serenamente, descarregou por duas vezes a espingarda, e as perdizes, depois de por um instante haverem batido convulsamente as azas, inclinaram as cabeças e deixaram-se cahir a prumo, como coisas inertes.
– Que é lá isso? perguntou o Eustachio.
– O sr. não vê? disse-lhe o José Miguel, mostrando-lhe a caça morta. São duas perdizes.
E depois baixinho para o Prior, mas não tão baixo que o Eustachio o não ouvisse:
– E dois bigodes. Elle que os vá contando.
E contou-os, e não foram poucos.
Felizmente o Eustachio não era de reservas. O rapaz enthusiasmou-o.
– Bravo! dizia elle ao fim da tarde, com o olhito a luzir, o que era tambem d'umas beijocas a mais na borracha do Prior.
E depois, muito amigavelmente, pondo-lhe a mão no hombro:
– Sabes que tens quasi uma riqueza n'essa espingarda?
Com que saudades a Marianna recordava esse momento em que, pela primeira vez, ouvira da bocca do pae um elogio ao namorado!
– Mas isto não obsta. Não quero! teimava ainda o Eustachio. Aquillo é um cabeça no ar. Um dia deixa-te e ficas peor do que viuva!
Afinal consentira. Que lhe havia de fazer?
O José Miguel acirrára-se com aquella resistencia e, em vez de abandonar a rapariga, como fizéra ás outras, cada vez se mostrava mais assiduo junto da СКАЧАТЬ