E eu?
Que me dirão quando o souberem: que coração humano o teria pensado. Juram-me segredo?
Jurâmos.
Não ha em toda a Dinamarca um scelerado igual.
Era necessario que um espectro saísse do tumulo para nol'o dizer?
É verdade, têem rasão. Basta de palavras, um aperto de mão, e cada um volte onde o chamam os negocios e as suas inclinações, porque todos têem inclinações e negocios, sejam quaes forem: eu, pobre pária do mundo, vou orar.
São palavras incoherentes e sem sentido, alteza.
Peza-me que te offendesses, peza-me devéras.
Em que, senhor?
Por S. Patricio, que te offendi e gravemente. Quanto á apparição de inda agora, é um phantasma honesto, digo-t'o eu. Quanto ao desejo de conhecerem, senhores, o que entre nós se passou, reprimam-n'o. E agora, meus bons amigos, em nome da nossa amisade, da nossa camaradagem de estudos e de armas, façam-me um favor.
Qual é? Não hesitâmos.
Nunca digam o que viram esta noite.
Conte com a nossa palavra, principe.
Quero um juramento.
Prometti o segredo.
Já jurámos.
Mas jurem sobre a minha espada.
Jurem.
Ah! ah! meu camarada, és tu que fallas; estás ahi, meu valente, approxima-te; ouvem a sua voz, prestem o juramento.
Diga-nos a formula, principe.
Jurem sobre a minha espada, que guardarão sigillo do que viram e ouviram.
Jurem.
Hic et ubique. Vamos para mais longe. (Afastam-se um pouco.) Approximem-se, e estendendo a dextra sobre a minha espada, jurem por este gladio nunca revelar o que viram e ouviram.
Jurem pela sua espada.
Bravo, velha toupeira, como caminhas depressa subterraneamente, que bello mineiro! Afastemo-nos mais uma vez, meus bons amigos.
Por vida minha, é prodigioso!
Acolhâmol-o como se acolhe um estrangeiro. O céu e a terra encerram mais mysterios, que os conhecidos pelos philosophos; mas venham. Notem o que notarem nos meus modos, se eu julgar necessario affectar maneiras extravagantes, jurem-me pela sua salvação que nunca cruzarão os braços, meneando a cabeça, nem lhes escaparão palavras ambiguas, como por exemplo: Muito bem, muito bem—já sabemos– ou —se quizessemos fallar– ou —ainda ha pessoas que se ousassem– ou outras expressões equivocas, dando a perceber que estão na confidencia; jurem que nada farão; e possa, quando mais precisarem, não lhes faltar a graça divina.
Jurem.
Acalma-te, alma penada. Assim, senhores, recommendo-me á vossa affeição, e tudo quanto um homem tão debil como Hamlet possa fazer para lhes provar o seu affecto, fal-o-ha com a ajuda de Deus. Retiremo-nos juntos, e silencio; peço-lh'o eu. Ha no mundo alguma grande perturbação. Maldição. Porque serei eu o eleito para a terminar? Vamos, partâmos juntos.
ACTO SEGUNDO
SCENA I
Rinaldo, entrega a meu filho este dinheiro e estas letras.
Sim, meu senhor.
Mas antes de o procurar, obrarás assisadamente tomando informações a seu respeito.
Era essa a minha intenção.
Bem, muito bem; toma antes todas as informações pelos dinamarquezes que estão em París, vê as suas relações, e com quem se dão, quaes os seus gastos; depois de te assegurares pelas tuas perguntas que conhecem meu filho, procura colher informações mais exactas, sem comtudo o dar a entender. Dissimula que o conheces perfeitamente, dizendo, por exemplo: Conheço o pae e a familia, mas d'elle não tenho conhecimento algum. Entendes, Rinaldo?
Perfeitamente, senhor.
De todo não me é desconhecido, pódes acrescentar. Conheço-o pouco é verdade, comtudo aquelle de quem fallo é um dissipador com todos os seus defeitos; imputa-lhe então todos os vicios que te parecer, excepto aquelles que podem deshonrar um homem, toma conta n'isso; só as loucuras e imprudencias proprias de um joven que se sente livre de todo o constrangimento paterno.
O jogo, talvez?
Bem, e as bebidas, a esgrima, as pragas, o genio buliçoso, a convivencia do prostibulo, é até onde te auctoriso que chegues.
Actos são, na verdade, que não deshonram.
Sabes bem como te deves haver fazendo estas imputações. Não aggraves os factos accusando-o de devassidão continua e habitual; não pretendo tal; censura-o mas com discrição; exprime-te como se attribuisses as suas faltas aos defeitos inherentes á mocidade, ao abuso da liberdade, ao arrebatamento de um espirito fogoso, á effervescencia de um sangue ardente.
Mas, senhor?
Porque será conveniente obrar assim.
Para lh'o perguntar estava eu.
É onde eu queria chegar, e na minha opinião é um ardil sem igual. Depois de teres imputado a meu filho esses ligeiros defeitos, que se podem considerar quando muito como imperfeições n'uma bella obra; se o teu interlocutor, aquelle que queres sondar, notou no joven a que te referes algum dos vicios mencionados, está certo que responderá immediatamente: Meu caro senhor, ou meu amigo– ou meu cavalheiro– segundo o costume do individuo, ou o uso do paiz…
Prosiga, senhor.
Então… СКАЧАТЬ