Fanny: estudo. Feydeau Ernest
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Название: Fanny: estudo

Автор: Feydeau Ernest

Издательство: Public Domain

Жанр: Зарубежная классика

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СКАЧАТЬ barra do vestido, relevada de folhos de seda, sussurrava com o movimento. Com ambas as mãos ajustadas sobre a cintura, comprimia as dobras da cachemira que a involvia desde a nuca até ao artelho. Nunca se voltava. Encostava-se ao longo das paredes para evitar o embate dos caminheiros. Emfim, chegando ao angulo da rua, desapparecia; e eu atirava-me sobre o leito, escondia nas mãos o rosto, avocando, hallucinado, todas as minhas remeniscencias esparsas para ainda assim me illudir com possuil-a.

      IX

      A primeira vez que ella ahi veio, não se espantou, mas examinava tudo o que a rodeava, e em tudo bulia, com certo acanhamento. Havia lá espadas de combate dispostas em tropheu. Lembra-me que ella reparou n'isso.

      Tambem se deteve diante de um retrato de minha mãe, que tinha sido formosissima, e deante da minha escrivaninha, coberta de livros e de cartas. Mas, com discrição cheia de graça, passou, sorrindo, sem tocar nas cartas.

      X

      Eu era feliz! Desprezava quantos não eram eu, porque ella os não amava! De longe e de cima olhava o mundo. De tudo segregado, tudo via d'alto, mas com indifferença, tumido de orgulho. Parecia-me que sobre mim convergiam os perfumes todos da terra e sorrisos do céo. Nos olhares que se encontravam com os meus, chammejavam os fulgores da inveja; e o murmurar confuso das turbas agitadas, rumorejava aos meus ouvidos como acclamações longinquas.

      A imagem de Fanny absorvia-me a memoria, e desprendia-se de meus pensamentos todos. Era, a um tempo, mais irritante que um sonho, e mais consoladora que a esperança. Nunca eu antevera seduções tamanhas em humana creatura, tantas delicadezas n'um coração, tanta graça na reserva, tanto pudôr na renuncia de si!

      Mescla de enthusiasmo e arrobamento, de illusões e desalentos, de melancolia e criancice, fôra o bastante a conquistar-lhe o amor. Parecia-me, todavia, pouco esmerada em attenções e cuidados. Tão amada, por certo, tinha sido ella! Bella ainda, mais bella do que talvez se cria, augmentava cada uma das suas graças com o esforço timido que punha em evitar a apathia, que presentia de longe, com a vinda dos novos annos.

      Dias tinha ella em que era possivel traduzil-a nos olhos, quando cerrava os labios n'uma expressão de meditar mais affectuoso, quando seus cabellos, fluctuando-lhe sobre as fontes emaciadas, em flacidas spiras, as envolviam com uma especie de suave piedade. Contemplava-lhe eu então as mãos candidissimas, e figuravam-se-me duplicadas, para que suas ultimas caricias fossem mais copiosas e maternas. Escutava ancioso os suspiros que lhe sahiam do peito opprimido: tinha-os como protesto surdo do coração que reagia ainda á indifferença, desejando-a acaso como repouso, e expedia a sua mais bella flamma, antes de retrahir-se em si para morrer.

      XI

      Eu era feliz! Mas a desgraça já vinha perto. Até então com a delicadeza mais de incarecer, Fanny poupara-se sempre a fazer, diante de mim, a menor allusão a seu marido. Com uma pouca de bemquerença, conseguira eu phantasial-a livre e minha, sem partilha. Tão pudicamente se me déra ella! Foi como rainha, sem nada mercanciar do que não podia ser vendido.

      Um dia, porém – como isto foi, não sei! – ressoou suavemente nos labios d'ella o nome de um filho seu, e, em seguida, não pôde deixar de fallar-me d'elles.

      Adorava-os com tão furioso amor, que me abandonaria se me eu não comprazesse em ouvil-a repetir-me mil cousas pueris, tocantes a seus filhos. Por mim fingia-me vivamente interessado n'esses contos, que ella contava como abundancia extraordinaria de coração; eu, porém, escutava-lhe mais a musica das palavras que as idéas. Eu adorava-lhe a voz magica e melodiosa. E, de mais, eu era um tanto cioso de tudo que ella amava.

      Fallava-me, pois, de seus filhos. O mais novo soffrêra d'uma epidemia passageira, e eu quasi que odiei essas criancinhas pelo unico delicto de se aconchegarem comigo no ninho de amor do mesmo coração. O que ella então fez forçou-me a reflectir mui amargamente sobre a affeição que uma mãe póde dar a um homem. Esteve sem me vêr seis semanas. Não desamparou esse berço sobre o qual se estorcia o dôce thesouro vivo, formado do proprio sangue do seu coração. Escreveu-me quatro linhas apenas, admoestando-me a soffrer com ella. Homem orgulhoso que pertendes dominar, unico, sobre o coração d'uma mulher! aos menores vagidos de uma creança, vê que lição te dá a natureza!

      Á força de pensar n'esta creança, entrei a pensar no marido de Fanny; e, a meu pesar, d'ahi a pouco, já não pensava senão n'elle. Nunca o tinha visto. A mim que se me dava, n'outro tempo, de vêr o homem que lhe dava o braço, para entrar no baile, e discretamente se sumia na multidão logo que um circulo de admiradores a compelliam a isolar-se d'elle?

      A ella amava, a ella sómente eu via, por ella vivia… que me importava o marido d'ella?

      Restabelecido o menino, Fanny, mais affectuosa e linda, ao primeiro dia que me vio não percebeu que em mim havia um novo homem; adivinhou, porém, que uma preoccupação secreta me alvoroçava, emquanto eu, silencioso, lhe corria a mão sobre o braço nu. De repente, varada por cruelissima suspeita, repulsa-me, ergue-se, e, voz em grita, jura que eu a atraiçoara.

      Sorri com doçura a esta louca arguição; e, tomaado-lhe a mão como convite a sentar-se, simplesmente lhe disse que hesitava em pedir-lhe novo favor, com receio de ser indiscreto.

      – Que é? – disse ella, affastada ainda, e cravando-me um olhar de surpreza.

      Respondi que as seis semanas de solidão me haviam feito reflectir tristemente sobre a nossa imprevidencia; que sem suspeitarmos que incidente algum podésse apartar-nos, nunca nos cohibiramos de nos aproximarmos. Finalmente, com um embaraço que eu não podia dominar, balbuciei:

      – Por que não sou eu admittido em tua casa? Bem sabia ella que eu dissimulava a minha idéa, fallando assim: por que, de subito, resplandeceu de sorrisos, e lançando-me ao pescoço ambos os braços com vehemencia, confessou, córando, que, desde o primeiro dia, anciára sempre o vêr-me em sua casa.

      – Por que m'o não dizias? repliquei eu, acariciando-a. Respondeu-me, fazendo gesto pueril de amuada, expediente malicioso das pessoas que querem ser adivinhadas. E eu, doido com os projectos da convivencia, communicava-lh'os aos labios por entre beijos… Vêr… amar os filhos d'ella…

      Já Fanny redobrava de elegancia o salão mais intimo em que seus amigos eram unicamente recebidos. Que ventura poder, quasi todos os dias, reunir em volta de si, os objectos todos de sua mais viva affeição! D'ora em diante não seria obrigada a tirar o pensamento de seus filhos, para ir em busca da minha imagem atravez do espaço, trazel-a para o meio d'elles, e fazel-a docemente resplandecer n'esse recinto delicioso, decorado por ella só, a seu bel-prazer. Eu de mim terei d'ora avante um maior logar – não em seu coração que não é possivel – mas em sua vida, e tomarei quinhão immediato em todos os seus jubilos, como em todas as suas maguas. Era um bonito sonho!

      XII

      Concordamos em acceitar eu o convite de uma amiga d'ella, que, todas as semanas convidava a jantar.

      – Ahi nunca vae muita gente – disse ella – poderás facilmente ligar-te comnosco.

      Comnosco!.. Era a primeira vez, que, n'uma só palavra, ella associava comsigo innocentemente o marido, sem dar fé da angustia que esta alliança me causava. Querida Fanny! eu sentia-me empallidecer sob uma oppressão indefinivel, e ella purpureava-se de contentamento. Depois d'aquella palavra, terrivel para mim, e sem valor para ella, ergueu-se. Tinham decorrido as duas horas. Separamo-nos. Com ella foi a confiança; comigo ficou a esperança horrivel.

      XIII

      Sim, esperança horrivel! СКАЧАТЬ