Memorias sobre a influencia dos descobrimentos portuguezes no conhecimento das plantas. Ficalho Francisco Manuel de Melo
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СКАЧАТЬ meia libra da ordinaria; e ainda que seja prohibido debaixo de gravissimas penas exportal-a da dita costa, tirão-na comtudo ás escondidas vendendo-a em Inglaterra por um preço dobrado d'aquelle porque venderião a pimenta vulgar. Procede esta prohibição, de que desconfiando ElRei N. S.r que esta planta não fizesse empatar e abaratar a grande quantidade de pimenta que vem cada anno do Calicut determinou que de modo algum se podesse conduzir para fóra22. Ha tambem uns arbustos que produzem vagens longas como saõ as dos feijões, com algumas sementes dentro, as quaes não tem sabor algum, mas as vagens mastigadas tem um gosto delicado de gengibre, e os negros lhe chamaõ Unias e lhes serve de tempero, junto com a dita pimenta, quando comem peixe de que saõ sobremaneira avidos.»

      Citei integralmente este importante trexo porque nos dá clara e completa a distincção entre tres substancias vegetaes por vezes confundidas. De feito a descripção corresponde bem ao Amomum Granum paradisi Afzelius, ao Piper Clusii Cas. DC. e á Xylopia Æthiopica Richard, plantas de todo o ponto diversas e de afastadas familias, porém semelhantes nas qualidades aromaticas e ardentes de seus fructos ou sementes, e que por isso se substituiram mutuamente ou confundiram no commercio.

      Por estas citações se vê, que os nossos navegadores e escriptores conheceram bem a droga produzida pelos Amoma da Africa occidental, e que a designaram geralmente com o nome de malagueta, não lhes sendo tambem estranho o nome de grãos do parayso.[16]

      II

      Da origem da palavra malagueta

      Esta designação foi, como vimos, muito usada nos XIII, XIV e XV seculos, e, quanto hoje podemos julgar, applicada sempre, ou quasi sempre, ás sementes dos Amoma da Africa occidental. Rarissimas vezes encontramos este nome designando drogas da Asia, como por exemplo algum dos cardamomos da India, e n'estes casos por evidente equivocação. Assim Lagana, nos seus commentarios a Dioscorides, pertende identificar um dos cardamomos do auctor grego com a malagueta, quando é quasi certo que tal droga não conhecia23. Assim tambem Fr. Odorico de Pordenone, que visitou o oriente pelos annos de 1320 a 1328, diz, que na ilha de Java crescem diversas especiarias e entre estas as melegetae. A substancia designada assim pelo missionario Franciscano era sem duvida um cardamomo24. Estas applicações erradas do nome explicam-se facilmente pela semelhança das drogas, e por modo algum significam, que estas se confundissem geralmente, antes temos provas de que bem se distinguiam25. Foi só muito mais tarde, que este nome começou a ser vagamente dado a outras drogas e mui particularmente, como adiante veremos, aos fructos de uma Solanacea.

      Examinemos agora qual a origem provavel da palavra malagueta, ou talvez melhor melegeta primeira fórma com que a encontramos escripta. Um dos mais eruditos homens de sciencia dos nossos tempos, Alexandre de Humboldt, quiz filiar esta palavra nos vocabulos asiaticos, que designam a pimenta. De[17] feito tem esta ultima especiaria em Sumatra o nome de molaga, e na India o de mellaghoo, e pela tendencia natural a applicar o mesmo nome a substancias analogas, e que o commercio confunde, suppoz Humboldt que o nome da pimenta, um pouco alterado, e tomando a fórma malagueta, se viesse a dar á droga de Africa26. Não julgo por modo algum acceitavel esta etymologia. Para que na Europa se désse á semente do Amomum um nome derivado, por analogia, do da pimenta, era necessario que esse nome se tivesse primeiro dado aos fructos do verdadeiro Piper. Ora não temos noticia de que a pimenta fosse conhecida nas linguas da Europa por palavra semelhante a molaga ou mellaghoo, ou que de algum modo se possa filiar nas fórmas sanskritas mallaja ou maricha. O vocabulo grego πεπερι, assim como o latino piper, d'onde vem quasi todas as designações usadas na Europa27, prendem-se sem a menor duvida ao sanskrito pippali pela mudança do l em r, frequente nas linguas do ramo iraniano, pelas quaes nos foi transmittido. Não é pois facil admittir que se désse a uma droga, por ser semelhante á pimenta, um nome que a pimenta nunca teve, nem se comprehende que na Europa se applicasse a uma substancia da Africa um nome asiatico pouco ou nada conhecido.

      O sabio academico visconde de Santarem propõe em uma das suas obras28 outra etymologia. Recordando que Cosmas Indicopleustes falla, na sua Topographia christiana, do paiz de Mala na Asia, e accrescenta ubi piper gignitur,[18] suppõe que malagueta seja malagignitur corrompido, por isso que os primeiros navegadores, chegando á costa da Malagueta, e vendo tanta abundancia de especiaria se podiam julgar no paiz de Mala. Na verdade, parece-me demasiado forçada e difficil de admittir esta derivação.

      Sustentaram alguns auctores a origem européa; entre outros Villaud de Bellefond, seguido depois com pouco criterio por Corneille no seu Diccionario Geographico, disse que a palavra era franceza, e quiz d'ahi tirar, não sei bem porque raciocinio, uma prova de que os francezes haviam descoberto as terras aonde a planta cresce. A origem franceza é insustentavel, e não tem um unico argumento em seu favor. Devemos todavia notar, que o visconde de Santarem, refutando esta opinião de Villaud, incorreu por sua parte em alguns erros e seguiu um systema contrario á verdade dos factos. No texto da sua memoria a pag. 39 e nota 7.ª29, aquelle erudito escriptor pretende provar, que a palavra malagueta era usada pelos naturaes da costa d'Africa, datando dos nossos descobrimentos a sua adopção para designar a droga, antes mais conhecida pelo nome de sementes, ou grãos do paraizo. Os factos apontados nas citadas passagens pouco ou nada provam. Se Antonio da Nolle diz que na região aonde foi havia ouro e malagueta, não se segue que o nome fosse usado pelos negros, mas sim que elle o conhecia, o que era natural pois havia traficado no Mediterraneo. Se Brown, na relação da sua viagem, affirma que os negros chamavam malagueta a uma especie de pimenta, isto só significa que os negros da costa já n'aquelle tempo (1617) haviam adoptado o nome empregado pelos portuguezes, com os quaes estavam em contacto quasi diario. Demais todos estes argumentos caem perante os documentos citados nas paginas precedentes, que escaparam ás investigações do douto academico30, e provam ser conhecido o nome de melegeta desde o começo do seculo XIII, isto é, mais de dois seculos antes das nossas viagens, e muitos annos antes das datas marcadas aos suppostos descobrimentos dos genovezes, dos catalães e dos normandos. Se pois a adopção da palavra malagueta se não póde ligar a viagem dos francezes á Africa, não é por só ter sido conhecida depois, mas exactamente pela razão opposta por ser vulgarissima muito antes.

      Deparam-nos as obras de Matthioli, uma etymologia que, com quanto apresentada de passagem e como opinião pessoal, é muito digna de attenção e exame. Vem a ser a que deriva a palavra malagueta da semelhança da semente com os grãos de milho da India, aos quaes em algumas partes da Italia[19] se dava o nome de meléga31. Effectivamente, o milho da India, o Holcus sorghum de Linneo, foi denominado meléga, meliga ou mélica, e encontra-se designado com este nome em uma data anterior á primeira menção, que conheço, do nome de malagueta. Em um instrumento publico do XIII seculo, passado na villa d'Incisa, se diz, que dois cavalleiros cruzados, companheiros de armas de Bonifacio, marquez de Monteferrato, de volta do cerco de Constantinopla, deram á dita villa, além de uma cruz de prata encerrando um fragmento do Santo Lenho, uma porção de sementes provenientes da provincia de Natolia na Asia e chamadas meliga, offerta que foi tida em grande estima e consideração32. Quizeram alguns, que estas sementes fossem o milho, é porém mais provavel fosse uma especie de sorgo então nova, ou pouco vulgar33. Do theor da carta passada em Incisa no anno de 1204 parece resultar que o nome de meliga era até então desconhecido. É possivel, com quanto pouco provavel, que dez annos depois no de 1214 se tivesse já, por analogia e semelhança de fórma, derivado d'aquelle СКАЧАТЬ



<p>22</p>

A mesma noticia se encontra nas notas com que Carlos de l'Escluze, mais conhecido pelo nome de Clusio, enriqueceu a sua traducção latina do livro de Garcia da Orta (Exoticorum libri decem etc., p. 184). João de Barros pelo contrario diz que el-rei mandou esta pimenta a Flandres, mas ahi não agradou tanto como a da India. Conciliam-se perfeitamente estas informações em apparencia encontradas. A noticia de João de Barros, confirmada pelo que diz Garcia de Resende, refere-se ao tempo de D. João II, época em que ainda não tinhamos attingido o termo tão desejado de nossas explorações, e em que o commercio das especiarias estava em mão dos venezianos, sendo natural que procurassemos attrair a attenção para os productos das terras africanas, de cujo commercio nos haviamos senhoreado. Pelo contrario, em tempos de D. Manuel e posteriores, já estava nas mãos dos portuguezes o monopolio das especiarias asiaticas, e, dadas as doutrinas commerciaes de então, bem se comprehendem as prohibições rigorosas de que falla a viagem a S. Thomé.

<p>23</p>

Veja-se a nota 1, a pag. 7.

<p>24</p>

O texto de Pordenone é o seguinte: «In ipsa (insula Jauá) nascuntur cubebae, melegetae, nuces que muscatae, multae que aliae species pretiosae». Veja-se H. Yule (Cathay and the way thither, etc., II. Appendix, I, XVII.)

<p>25</p>

Sabemos que pelos tempos de Frey Odorico se differençavam perfeitamente as duas drogas. Pegolotti no seu (Libro di divisameuti di paesi, etc.) inserido no tratado (Della decima, etc. III) falla das meleghette e do cardamomo como de mercadorias diversas; a mesma distincção faz um seculo mais tarde G. da Uzzano no (Libro di gabelli, etc.) egualmente inserido no (Della decima, etc. IV). Veja-se H. Yule (Cathay and the way thither, etc., I, pag. 88). A passagem de Rolandino Patavino, assim como a de Nicolau Myrepso antes citadas, dão tambem a malagueta e o cardamomo como coisas diversas. Veja-se a nota a pag. 9.

<p>26</p>

Eis a passagem em que Humboldt (Hist. de la géogr. du nouveau Continent, I, pag. 258), expõe esta theoria. «Como as producções vegetaes, analogas, e que se substituem mutuamente no commercio, tomam sempre o mesmo nome, o de malagueta, tão celebre no XV seculo, e que os pharmaceuticos transformaram em melegueta, maniguette e cardamomum piperatum parece-me derivar-se do nome indico do pimento, tal qual é usado na lingua de Sumatra. Acho na Cosmographia de Sebastião Munster (ed. de 1850 p. 1093), lingua patria sumatrensis piper molaga dicunt. O sabio auctor da Materia medica of Hindoostan, o sr. Ainslie dá tambem (ed. de Madrasta, 1813, p. 34) ao Piper nigrum o nome tamul de mellaghoo. Em sanskrito mallaja e maricha são synonymos de pippali. O primeiro designa mais particularmente, segundo Wilson, o Piper nigrum e o segundo o Piper longum.» A estes nomes apontados por Humboldt podemos accrescentar os que encontramos citados por Garcia da Orta (Colloquios dos simples, etc., p. 172, ed. 1872), pertencentes ás mesmas fórmas, como são molanga, meriche e merois. A semelhança de alguns d'estes nomes com a palavra melegueta é singular; julgo porém ser uma simples aproximação fortuita.

<p>27</p>

A palavra portuguesa pimenta não vem da mesma origem, como quer o padre Raphael Bluteau no Vocabulario, fazendo-a derivar de pimpilim, nome usado no Malabar. Deriva-se de pigmentum, que na baixa latinidade significava especiaria em geral: species aromatis. Ducange. (Gloss. ad script. med. et infim. lat. voc. pigmentum.)

<p>28</p>

Recherches sur la déc. des pays situés sur la cote occ. d'Afrique, etc. p. 266.

<p>29</p>

Mem. sobre a prioridade, etc., p. 39, e nota 7.ª, p. 196.

<p>30</p>

Na edição franceza da sua memoria (Recherches sur la déc. etc. Paris 1842), o visconde de Santarem cita Balducci Pegolotti, e a passagem onde falla da malagueta (p. LXV), mas não modifica a sua argumentação (p. 14 e 15).

<p>31</p>

Eis o que diz Matthioli: i grani, i quali chiamano alcuni meleghette per rasomigliarsi eglino (come credo io) al miglio indiano, il quale in alcuni luoghi d'Italia si chiama melega (I discorsi di M. P. Matthioli etc., nei sei libri di Dioscoride, p. 24. Venezia, 1712).

<p>32</p>

Foi publicado na (Storia d'Incisa, etc. Asti, 1810) e vem transcripta por Michaud (Hist. des Croisades, II, p. 494).

<p>33</p>

Sobre a verdadeira natureza da meliga e a introducção da cultura do milho na Europa pode-se consultar Bonafous (Hist. nat. agric. et éc. du maïs); e tambem A. de Candolle (Géogr. bot. rais., p. 943).