O Cerco de Corintho, poema de Lord Byron, traduzido em verso portuguez. George Gordon Byron
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      O Cerco de Corintho, poema de Lord Byron, traduzido em verso portuguez

AO ESTIMAVEL ANONYMO

      Alma prestante, onde reside e impera

      O Genio da Amizade,

      Que a luminosa esfera

      Deixou, para acudir á humanidade,

      Sumida em pesadumes e agonias,

      Em feia escuridade!

      Alma onde o typo eterno não se encobre,

      E que, n'estes d'egoismo ferreos dias,

      O instante de ser util só vigias,

      Sincera, affavel, nobre!

      Acceita, em oblação a ti votado,

      Ancioso de agradar-te, este traslado.

      Henrique Ernesto d'Almeida Coutinho.

      O TRADUCTOR,

      Para perpetuar a gloria do sublime poeta que tanto enriqueceo a sua patria e o mundo literario com o preciosissimo cabedal de suas producções, bastaria esta de que emprehendemos e agora publicamos a traducção. Sciencia dos tempos e dos costumes, vasta erudição, profundo conhecimento do homem, variedade e magnificência de quadros, fecunda elevação de pensamentos, lustre e vigor de poesia, sobresahindo por effeito da mais acertada e judiciosa distribuição, eis os titulos com que se engrandece este poema, onde lord Byron não houve mister longo espaço para mostrar-se, immortal.

      Não é raro tecerem os traductores sobejo encomio ainda a mediocres originaes, quando com estes despendêrão vigilias e desvelos; mas nem por isso receamos que, elogiando a lord Byron, nos accusem de encarecimento ou de leviandade: as suas obras ahi estão bem patentes, e a sua reputação é já colossal.

      Todavia, notando a mui sincera affeição que consagramos a tão estremado engenho, ninguem haja de persuadir-se que o avaliamos como isento de toda a mácula. Por certo que lord Byron era homem, e o fragil da humanidade transparece em algumas das suas producções, e ás vezes procura brilhar em detrimento daquella gentil gravidade que mui bem assenta nas Musas, e sem a qual desmentem ellas a sua origem celeste; mas de semelhante desar campea livre o poema que apresentamos traduzido. – Só de passagem mencionaremos um descomedido orgulho nacional1, um amor á liberdade, que por vezes degenera em fanatismo: estes sentimentos os bebeo o poeta com o primeiro alimento de sua infância, e, quando concentrados em justo limite, são nobres, e longe estamos de criminá-los.

      Não menos que lord Byron admiramos os grandes capitães Gregos e Romanos; tambem nas escolas estudamos e traduzimos Nepote, Tacito, Tito-Livio, &c. Todavia os heróes n'essas historias memorados viverão em tempos mui diversos dos nossos, e diversissima foi a sua educação fisica e moral: por tanto o joven enthusiasta hodierno que ambiciona a todo o custo igualá-los, arrisca-se a cometter mil despropositos, e mesmo a ser victima inutil de suas desattentadas proezas. Para morrer com gloria no desfiladeiro de Thermópylas, cumpre, além de haver sido educado em Esparta, ter á frente um Leonidas. A prudencia de Fabio transtornou os planos de Annibal e salvou Roma, conseguindo aquillo mesmo que fôra denegado ás fastuosas e arrogantes ousadias de Sempronio e de Flaminio. Do sacrificio de Curcio, despenhando-se armado e com seu proprio cavallo no boqueirão aberto por um terremoto em certa praça de Roma, que proveito recolhêrão os concidadãos, a patria, ou a especie humana? Curcio era pois um esquentado enthusiasta, ou antes um orate rematado. É indubitavel que a cega ambição de figurar com heroismo Grego ou Romano, associada ao sofrego ardor não sei de que liberdade turbulenta, insidiosa, desmoralisadora, e de mais pernicioso effeito que qualquer desmascarada tyrannia, tem excandescido bom numero de cabeças e avultou de sobejo na mui abalisada revolução de França, que ainda hoje em sangrentas paginas aterra a humanidade. – Talvez o amor que sempre tributamos á verdade nos levou em demasia longe; mas como quer que seja, não cessaremos de confessar que o sublimado engenho de lord Byron nos penetra de admiração, e deixa, ao menos em nosso alvitre, o homem justificado pelo poeta.

      Quanto á nossa traducção, sobre diligenciarmos que portugueza fosse, pozemos todo o cuidado em exprimir com clareza os pensamentos do poeta, bem como em não deteriorar-lhes a nativa gala, que antes nos parece mais pomposa n'este nosso fertil e sonoro idioma: entretanto não é por nossa conta que deve correr a cabal decisão na materia, mas sim por conta de mais competentes juizes, que, versados nas duas linguas, queirão dar-se ao trabalho de cotejar o original com a versão.

      Entre os nossos traductores poetas, alguns houve que gemêrão sob a ferrenha tarefa de traduzir tragedias e longos poemas verso por verso; mas que resultou de tanta diligencia? o substituirem, pela maior parte, a versos fluentes e vigorosos uma enfiada de semsaborias, de durezas, de enigmas, onde a graça e louçania dos originaes degenera em rugosa e desalinhada velhice. Não negamos que isso tenha cabimento e deva adoptar-se quando nenhum inconveniente o estorva; porém o verter affincadamente poemas inteiros verso por verso, é uma curiosidade que em muitos casos empece á nobre franqueza do estilo, á suavidade do metro, e ao effeito geral dos quadros poeticos. Estamos persuadidos de que deve o traductor de um poema ser sempre fiel á quantidade das idéas, não assim á quantidade dos versos: tal foi o nosso systema de traducção no Cêrco de Corintho.

      Ardua e mui ardua emprêsa é traduzir poetas; bem o sabemos e experimentamos. Se todavia para traduzir lord Byron de nada mais se carecesse que de estar profundamente penetrado das extraordinarias e sublimes bellezas com que este filho da immortalidade abrilhantou suas obras, então nos lisonjeariamos de apresentar a nossos leitores uma copia digna do original, e preciosa para elles.

      O CERCO DE CORINTHO

I

      Longo trilho de seculos exhaustos,

      Rijas tormentas, bellicos furores,

      Infestárão Corintho: ella entretanto

      Persiste em pé, e no alteroso alcáçar

      Nova conquista á Liberdade off'rece.

      Nem bramir de tufões, nem terremotos

      O alvejante penhasco lhe abalárão,

      Esse lageoso assento, que, em despeito

      Da decadencia sua, inda parece

      Não sem orgulho contemplar seu cimo;

      Esse padrão demarcador erguido

      Entre os dous mares, que d'um lado e d'outro

      Lhe estão rolando purpurinas ondas,

      Que sempre a forcejar por se reunirem,

      O acatão sempre, e vem morrer-lhe ás plantas.

      Se o sangue n'estes sitios derramado

      Desde que n'elles o fraterno sangue

      Timoléon vertêra, ou desde quando

      Pelo aviltado despota da Persia

      Abandonados forão, borbulhasse

      Da terra que o bebeo no morticinio,

      Este sangrento oceano sepultára

      Sob os tremendos escarcéos todo o isthmo:

      Ou se podessem amontoar-se os ossos

      Dos que alli perecêrão, surgiria

      Por entre aquelles ceos abrilhantados

      A colossal pyramide espantosa,

      Dando rival á Acrópolis, que as nuvens

      Se vê roçar co'a torreada fronte.

II

      Eis lanças vinte mil sobre as espaduas

      Do nebuloso Citherón fulgurão;

      E em toda a planta do isthmo, sobre as duas

      Oppostas praias que o ladeão amplas,

      Se eleva o pavilhão, brilha o Crescente

      Nas federadas linhas Musulmanas;

      E СКАЧАТЬ



<p>1</p>

Este orgulho se deixa ver bem claro no Childe Harold's Pilgrimage, cant. I.º est. 16, onde, entre outros motejos com que o poeta pertende aviltar os Portuguezes, tambem lhes exprobra o serem

A nation swoln with ignorance and pride.Nação inflada d'ignorancia e orgulho.

Quererá isto dizer que a Inglaterra é um paiz todo cheio de sabios, e onde o orgulho morre de frio, por falta de quem o aquartele?