Contos Phantasticos. Braga Teófilo
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Название: Contos Phantasticos

Автор: Braga Teófilo

Издательство: Public Domain

Жанр: Зарубежная классика

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СКАЧАТЬ se dava aos caprichos da minha vertigem. Havia n'este amor um pensamento de halucinado, um tanto de selvagem, de monstruoso; impellia-me uma inquietação continua, sentia em mim um como ranger de puas do remorso, a voz que interroga Caim. Fugia, não queria consolações. Eu ia sentar-me tambem na rocha escarpada, a vêr o mar, procurando a serenidade que me inspirava a contemplação do sepulchro da minha amada. Vinha visital-o, á busca d'esse allivio de que fala o poeta do Oriente.

      «Eram decorridos já tres dias, não se vira mais o corpo de Branca; o mar queria-o para si, mas eu tinha uma vontade fervente, absoluta, o desespero de tornal-a a vêr linda, roxa, núa, desfigurada. Era o mais que podia soffrer. Ia a maré na vasante, no fim da tarde, as ondas gemiam brandamente no areal deserto, as virações da noite sopravam frias, humidas das bandas do poente. Quando desci da rocha escarpada, encontrei inesperadamente o corpo de Branca estendido na area. Era uma criança descuidada, adormecida; a onda que a tinha despido para namorar-lhe a alvura do corpo, viera deposital-a na praia. Ia a precipitar-me para ella, unil-a a mim no frenesim d'essa loucura. Tive medo! recuei sem encaral-a. Temi profanal-a com a vista; estava quasi núa, de costas, com os olhos no céo, como pedindo á noite que viesse recatal-a no seu manto de trévas. Quando tornei junto d'ella com o lençol para a envolver, senti uma ancia de passamento, a lucidez de quem entrevê a eternidade: conheci que o cadaver de Branca se voltara de bruços, furtando á vista profanadora o verticello pudibundo da flor que eu fizera pender sobre o caule e cahir emmurchecida. O inexplicavel deixou-me um terror que ainda me dura…»

      Não tive animo para lhe pedir que continuasse.

      A estrella d'alva

(CONTO MARITIMO DO SECULO XVI)

      N'isto andava tudo, que se não poderiam pôr os olhos em parte onde se não vissem rostos cobertos de tristes lagrimas, e de uma amarelidão, e trespassamento de manifesta dôr, e sobejo receio que a chegada da morte causava, ouvindo-se tambem de quando em algumas palavras lastimosas, signal certo da lembrança, que ainda n'aquelle derradeiro ponto não faltava dos orphãos e pequenos filhos, das amadas e pobres mulheres, dos velhos e saudosos paes que cá deixavam, etc.

Hist. tragico-maritima, t. I, p. 55.

      O sol esmaltava as côres limpidas do horisonte com uns cambiantes de purpura e de azul, cujo cariz incompleto e vago reflecte a melancolia suave em que a alma se concentra n'essa hora fugitiva da tarde. O horisonte fechava-se lentamente, como o véo de um templo que se cerra. As virações travéssas da noite volitavam encrespando a face trémula das aguas, que lhes respondiam ás caricias inquietas, confidenciando com um murmurio sonoroso e confuso. O galeão soberbo da India singrava ufano, buscando em prôa a terra querida da patria; levado nas azas das monções propicias, a vela branca desfraldada aos ventos, tinha o garbo da garça altaneira que se libra vaidosa por sobre as ondas, que ella vae roçando de leve. A flamula ondulante, hasteada no tope do mastro de mezena, serpeava nos áres como em adeus silencioso ás ribas odoriferas do Oriente, a despedida ao paiz dos sonhos e das maravilhas. A natureza como que se absorvera nos encantos d'esta hora; havia um segredo intimo em cada toada perdida d'este concerto do declinar do dia.

      Longo tempo um mancebo encostado á amurada do navio, com os olhos fitos na corrente das vagas, permanecêra absorto n'um scismar incessante, como quem atava na mente as apparencias de um sonho mentido, como quem procurava alentar a ultima esperança que prende á vida, e que é como a hera das ruinas. Conhecia-se-lhe na respiração comprimida no peito, que offegava de cansaço, o esforço acintoso com que procurava afastar da lembrança um sentimento funesto.

      A pallidez retincta nas faces cavadas pelas insomnias longas e afflictivas, era a expressão dos pensamentos tenebrosos, confusos, incoherentes, que vinham povoar-lhe a anciedade das vigilias. Quem o visse sentiria uma dôr egual áquella, uma vontade irresistivel de entornar-lhe em sua alma o balsamo das consolações, com a prodigalidade do affecto com que a moça desenvolta de Magdala vinha derramar aos pés do divino Mestre os perfumes inebriantes da sua urna de alabastro.

      Quem o visse na mudez expressiva d'aquelle desalento, no desamparo e soledade de todas as alegrias da vida, sentia-se levado para elle, como por um condão fascinador, que ás vezes possuem certos olhares que ninguem póde fitar e de que se tem medo. A brisa fresca da noite, que soprava do poente, como trazendo-lhe o presagio do ocaso de suas esperanças, vinha volatilisar a lagrima timida e ingenua que tremeluzia viva na pupilla scintilante.

      A este tempo appareceu sobre o convés do galeão alteroso um outro vulto, todo armado contra a rajada asperrima da noite, que se ia cerrando:

      – Ainda aqui, Fernão Ximenez? embebido n'esse longo scismar em que o passado se te affigura doloroso e feio? Para que foges de teu irmão? Bem vês que eu procuro distrair-te d'essa agonia lenta que te vae minando a essencia debil da vida, d'esse espasmo da atonia que produz em ti a mudez do sepulchro. O que tens tu em uma vida de criança, innocente, sempre desprevenida, para que o occultes a teu irmão, ao amigo que soffre com o teu soffrimento, e que exulta com as tuas alegrias? Uma ave, quando é levada para um paiz distante, longe do ninho que lhe ouviu balbuciar os primeiros trillos de amor, quando lhe falta a bafagem tepida das auras em que se espanejava contente, desfallece á mingua, prisioneira, ralada pela saudade pungitiva que lhe amofina o sêr. Tu, pelo contrario, á medida que os aromas quasi imperceptiveis da terra abençoada da patria nos vêm dar força para affrontar as tormentas escuras, as cerrações e os cabos perigosos, perdes o animo ante uma dôr imaginaria, e deixas-te apossar de uma ancia, que um instante só de reflexão tranquilisaria. Vamos, serena o teu espirito; seja-te o meu coração o porto almejado onde encontres abrigo. Que receias pois? temes encontral-a na volta desposada, nos braços de outro? Conta-me a verdade toda; amas?

      – Se com vinte annos apenas haverá quem não tenha sentido ainda esse desvario divino, que acorda de subito em nós todas as potencias da alma, que rasga brilhante a manhã de um eden terreal, dando realidade á vida, e que a um tempo vibra o estertor e o cicio horrivel dos que se confrangem no barathro do desespero que elle gera! Eu amo, sim. É um amor que tem purpureado de risos todas as horas que me absorvo a pensar n'ella. Para mim é o resumo de todas as bellezas do mundo. Onde a vista depára uma apparição grandiosa, deslumbrante, ahi sinto uma reminiscencia d'ella; ás vezes procuro em vão formar na mente o composto do semblante engraçado, quero tel-a presente pela imaginação á minha idolatria; mas a phantasia não póde reunir em uma mesma auréola de encantos tudo quanto ha de mais puro no céo e na terra. Eu estou doido. É o frenesim d'este amor que me enlouquece. Eu não a vejo, nem sei mesmo já se existe, mas sinto-a como a essencia de um licor suavissimo e volatil, que inebria a distancia os sentidos. Ella fluctua-me pairando ante a vista, como um nevoeiro da madrugada que se esvaece nos áres ao romper da claridade, e de que o sol faz realçar a alvura esplendente. Ella nunca me disse que me amava. Quando só em pensamentos a escuto, a dizer-me segredos intraduziveis, parece-me a bayadera indiana requebrando-se flascida, com uma morbidez encantadora, a voltear brandamente ás vibrações remotas das gandharvas, instrumentistas do paraizo. Eu vôo na mesma ondulação de harmonia, e sonho um goso indefinivel, que me exacerba mais as angustias cruciantes, quando desperto á realidade. Eu não sei mesmo se me ama. Costumado a brincar desde criança, unindo as nossas orações infantis em noites de tormenta, quando seu pae andava sobre as aguas, esta confiança torna impossivel o mysterio, que alimenta todo o amor.

      – «Aldonça! repetiu desapercebidamente Gaspar Ximenez; – a mesma, a que me torna aguerrido, audaz para affrontar estas regiões nos términos do mundo; a que jurou um dia ser minha e me prometteu a mão de esposa, que eu beijei e apertei tremulo, convulsivo!

      Fernão Ximenez comprehendeu estas palavras. Foram como um clarão subito, que lampeja e cega. Os olhos arrasaram-se-lhe de agua, sem as lagrimas poderem rebentar. Era incrivel o que se passava em sua alma. A colera, a alegria, a contrariedade das aspirações mais ardentes da vida, o desinteresse sublime de um coração generoso debatendo-se tudo n'aquella alma deserta de esperança! Gaspar Ximenez continuou, como delirando:

      – Amas tambem Aldonça? СКАЧАТЬ