Название: Romancistas Essenciais - Franklin Távora
Автор: August Nemo
Издательство: Bookwire
Жанр: Языкознание
Серия: Romancistas Essenciais
isbn: 9783955777036
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— Até que enfim deste com a língua nos dentes.
— Quiseste primeiramente provar o cipó de rego.
— Mas não nos dirás quem foi que te mandou a isso?
— Quem me mandou! Tive pena daquelas mulheres que choravam por seus maridos, e larguei-me a ver se os encontrava.
— Tiveste pena das mulheres, hem? Maganão! Havemos de lá ir hoje de noite para também termos pena como tu tiveste.
— Elas não serão tão tolas que apareçam a qualquer que lá chegue, retorquiu Matias com segunda tenção.
— Mas a ti abriram elas a porta, velho mandingueiro.
— Para mim hão de ter sempre franca a sua casa, porque sabem que eu sou incapaz de as ofender.
— Então, se lá formos, não nos deixarão entrar? perguntou Joaquim.
Matias, depois de um momento de reflexão, respondeu:
— Só se forem comigo.
— Pois está dito. Iremos contigo, disse o Mulatinho.
— Mas tu irás amarrado, bem amarrado, jia de lagoa, acrescentou José Trovão.
— Como quiserem, contanto que não me matem no caminho.
— Se nos facilitares a entrada, podes ter por certo que não haverá quem se atreva a tocar-te em um cabelo sequer.
— Bem sabes que não precisamos do auxílio de pessoa alguma para tomarmos conta de uma casa onde só há mulheres choronas, observou Joaquim. Mas sempre é melhor entrar sem fazer barulho para não dar que falar à vizinhança.
Era quase noite, e já a lua espargia a luz suave por sobre a solidão, quando se acharam novamente na beira do despenhadeiro. Segundo um plano assentado entre eles, quatro seguiram com Matias pelo lado por onde havia descido, enquanto os outros, subindo pelo lado oposto, se dirigiram ao esconderijo a fim de se proverem dos instrumentos necessários para o assalto. Os primeiros esperariam pelos últimos na boca da mata para, reunidos, seguirem a seu destino.
No momento em que os malfeitores tomaram a direção da engenhoca, um cavalheiro que entrara na mata por secretos atalhos, fora dar com o Cabeleira em seu retiro. Era o Teodósio.
— Arrumem as trouxas, e mudem de acampamento.
Foram estas as suas primeiras palavras.
— Donde vens tu? Que diabo tens, Teodósio?
— Vêm aí soldados que nem terra.
— Quem te contou semelhante coisa?
— Eu que sei. O governador está comendo fogo pelo que fizemos na noite da procissão.
— Ora!... Pois que venham. Hão de saber para quanto presto. Nunca torci a cara a homem nenhum, e não morro de careta, como sagüi.
— Eu também não tenho medo deles, disse o cabra. Mas é bom a gente estar prevenido para não cair no mundéu como bicho do mato.
O Teodósio unicamente suspeitava o que dizia estar para acontecer. Fino, matreiro, como era, facilmente previra que não ficaria sem punição o crime que haviam eles cometido na vila.
— Ora, Teodósio! redargüiu José com mostras de fazer pouco do que lhe dizia o camarada. Eu, por ser bicho do mato, é que não hei de cair no mundéu. Olha tu: enquanto houver mata virgem por esse mundão de meu Deus, podem eles mandar contra mim os soldados que quiserem, que não me apanham, ainda que sejam tantos como formigas. Não me hão de ver nem a fumaça.
— Não digo menos disso, respondeu Teodósio.
— Eu sou cabra mesmo danado — prosseguiu Cabeleira. Quem se engana comigo é porque quer. Meto a unha no chão, e entro no oco do mundo para nunca mais ninguém me pôr o olho em cima. As matas de Serinhaém, Água Preta, Goitá, Goiana, Paraíba, Rio Grande aí estão bem fresquinhas para esconderem em seu seio a onça pintada. É bom que não me assanhem. Se o governador duvidar do meu sério, sou capaz de me largar daqui, pi, pi, até à vila, e lá mesmo vou mostrar-lhe com quantos paus se faz jangada.
— Pois afia bem a tua faca, e escorva de novo o teu bacamarte, que o trovão não tarda a roncar.
— Eu nunca deixei de trazer a. faca e o bacamarte prontinhos para o serviço. Quem quiser venha ver.
— Está bom. Até já, disse o Teodósio, despedindo-se para sair.
— Aonde vais? perguntou-lhe o Cabeleira.
— Tenho cá uma idéia. Vou passar pela porta do capitão-mor.
— O capitão-mor está na vila, disse José.
Não, senhor, está aí. Veio antes de mim, que não me escapou. Vou passar-me pela porta, e tirar conversa com algum soldado bisonho que aí se ache de serviço a fim de ver se pesco notícia que nos oriente.
— Não é mau o que queres fazer. Mas olha bem, não caias em alguma ratoeira.
— Macaco velho não mete mão em cumbuca, respondeu Teodósio, preparando-se para montar novamente.
— Faço-te companhia até o cercado da engenhoca do defunto Liberato, acudiu Cabeleira.
E saltou sobre a garupa do cavalo que Teodósio pôs a passo pela vereda secreta que ia dar na via pública.
— Uê! exclamou Teodósio, voltando-se para o companheiro a fim de melhor saber dele a verdade. Pois morreu o Liberato, tão bom amigo nosso, que nunca nos faltou com jerimum, canas e criação?
— Ele era camarada, é verdade. Mas meteu-se-lhe na cabeça que havia de tirar-nos o couro, e há três dias veio bulir conosco.
— Que estás dizendo?
— Não só ele, mas também os filhos e o bom do genro.
— Foi a sua derradeira deles, hem?
— É verdade. O Zé Rufino, que o negro fora convidar para o ajudar na tragédia que tinha ideado contra nós, correu logo a dar-nos parte de tudo ainda em tempo. Quando os cabras apareceram, encontraram gente. Fizemos o bonito em poucas horas. Estão todos dentro do grotão.
— E que vais tu ver à engenhoca?
— Vou reunir-me com os outros que lá estão fazendo uma das suas. Mas onde arranjaste tu este quartau passeiro e passarinheiro que se vai derretendo na estrada depois da grande caminhada que traz da vila?
— Falta aí engenho onde se vá buscar um animalzinho fora de horas para a gente fazer sua viagem?
— Pois então vai logo pondo de olho alguns outros para fazermos a nossa mudança se a tropa vier perseguir-nos.
— Amanhã pela manhã teremos um lote, e poderemos meter terra em meio antes que o tropão bata por cá.
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