Название: Anuario iberoamericano de regulación
Автор: Varios autores
Издательство: Bookwire
Жанр: Юриспруденция, право
isbn: 9789587903638
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E com isso é possível chegar-se ao ponto mais relevante para a interpretação que me parece mais correta do conteúdo dos incisos XI e XII do artigo 21 da Constituição Federal. Lá encontra-se o dever material positivo da União Federal de regular os mercados mencionados, por meio da instituição de um serviço púbico e/ou por meio de uma regulação mais intensa do que aquela que habitualmente caberia em outros mercados.
Isso acontece porque as atividades mencionadas nos incisos XI e XII em comento são todas prenhes de relevantíssimo interesse público, estando muitas vezes claramente vinculadas à realização de direitos fundamentais, como é o caso da energia elétrica e do transporte, por exemplo. Além disso, são atividades insertas em mercados que, normalmente, contemplam algum tipo de falha de mercado e, pois, demandam uma intervenção corretiva por parte do Estado.
Nesse contexto, cabe ao Estado (mais precisamente, à União Federal) atuar para (i) garantir a satisfação dos direitos fundamentais subjacentes, por meio da instituição de um serviço público, e/ou (ii) atuar positivamente, por meio da regulação, para solucionar as falhas de mercado existentes, como a necessidade de acesso a infraestruturas escassas e limitadas, a existência de monopólios naturais, entre outros.
E, note-se, a utilização dos conectores e/ou no parágrafo precedente não é aleatória. Isso porque (i) a instituição de um serviço público é, muitas vezes, um mecanismo regulatório de garantia de funcionamento de um mercado para o alcance de fins públicos38 e (ii) a instituição de um serviço público não afasta a necessidade de uma regulação estatal voltada à ordenação de um mercado imperfeito, eis que, como já dito a ideia de serviço público não implica qualquer forma de monopólio ex iure.
Destarte, pode-se inferir do conteúdo dos incisos XI e XII do artigo 21 da Constituição Federal enorme complexidade, pois haverá (i) a possibilidade de deles decorrer a existência de serviços públicos explorados em regimes de competição muito restrita, nos casos em que seja proporcional a imposição de restrições significativas ao direito fundamental de livre iniciativa para a satisfação de certos direitos fundamentais39, (ii) a possibilidade de serviços públicos com maior grau de liberalização, havendo mais flagrante concorrência40, com consequente menor grau de restrição ao direito fundamental da livre iniciativa, e (iii) atividades que não se constituem como serviços públicos, mas que são reguladas pela União Federal, por serem de grande interesse público e por conterem algum tipo de falha de mercado.41
Nesse diapasão, é possível claramente inferir que as atividades mencionadas nos incisos XI e XII do artigo 21 da Constituição Federal são sujeitas a forte intervenção realizada pela União Federal, sem ser, contudo, possível definir-se a priori o grau e o conteúdo dessa intervenção. Caberá sempre à lei infraconstitucional definir, sob os quadrantes da proporcionalidade, como se dará a intervenção estatal em cada caso.
E a razão para tanto é muito simples: as atividades contempladas nos incisos mencionados têm natureza e conteúdos muito distintos, fazendo com que se concatenem, de forma muito diferente, princípios constitucionais como direitos fundamentais de status positivus, livre iniciativa e, por consequência, livre concorrência. Em determinados casos, poderá ser prescindível a regulação intensa do serviço público; em outros, esse regime é imprescindível, mas implica menor grau de restrição à livre iniciativa; e, por fim, em outros casos, é imprescindível e implica maior grau de restrição à livre iniciativa.
A forma precisa de compatibilização dos princípios constitucionais incidentes dar-se-á, obrigatoriamente, no âmbito da lei infraconstitucional. E sequer estático será, pois, conforme o desenvolvimento de certos mercados será possível, aumentar ou restringir o nível da intensidade da regulação estatal, ampliando-se o papel da livre iniciativa e da livre concorrência.
Pois bem. É exatamente nesse processo de estruturação dos mercados contemplados nos incisos XI e XII do artigo 21 da Constituição Federal que se evidencia o papel das autorizações. Em praticamente todos os casos disciplinados nas normas em análise será a autorização o instrumento jurídico adequado para dar efetividade à regulação estatal existente.
Explico-me.
Como disse, dentro das hipóteses arroladas nos discutidos incisos XI e XII há casos em que somente haverá o regime de serviço público, eis que é a única forma de realização dos direitos fundamentais subjacentes; casos em que haverá serviço público explorado em regime de concorrência; e casos em que não haverá serviço público, mas a exploração controlada de uma atividade, a fim de se mitigar determinadas falhas de mercado.
No primeiro grupo de casos, a autorização não terá papel relevante, pois serão utilizados majoritariamente os instrumentos da concessão e da permissão42. No segundo grupo de casos, a autorização terá papel de enorme relevância, pois será o instrumento de controle de entrada de agentes no mercado para prestar, inclusive, oferecer concorrência aos agentes sujeitos ao regime de serviço público, detentores de concessões e permissões.43 E, no terceiro grupo de casos, a autorização terá papel ainda mais relevante, pois será o único título habilitante aplicável para o acesso a determinado mercado.44
Dessa constatação vê-se, de forma quase autoexplicativa, a imprestabilidade das conceituações doutrinárias da autorização mencionadas anteriormente. Isso, pois as autorizações longe estão de ser outorgadas no interesse exclusivo do autorizatário. Elas são outorgadas como forma de controle estatal da entrada de agentes no mercado, os quais ofertarão seus serviços ao público em geral, em clara concorrência com os agentes detentores de concessões e permissões. E mais ainda: as autorizações, nessa perspectiva, aplicar-se-ão a atividades demandantes de enormes investimentos, o que afasta completamente qualquer sinal de discricionariedade e precariedade.
Conforme sublinhei nos parágrafos precedentes, a doutrina entende – sem qualquer esteio no Direito positivo, repise-se – que a autorização se presta apenas a finalidades de interesse restrito do autorizatário e, por isso, é discricionária e precária. Pode ser o caso, em hipóteses muito restritas devidamente previstas em lei45. Mas não se pode tomar essa afirmação como aplicável para todos os casos, sob pena de se colocar a doutrina como fonte primária do Direito Administrativo46.
Nesse passo, pode até haver uma autorização discricionária e precária aqui ou acolá, em casos muito específicos. Contudo, à luz do conteúdo do artigo 21 da Constituição Federal, não se pode mais determinar que esta seja a regra, sob pena de afastar completamente interessados em atuar em setores altamente demandantes de investimentos sob o regime de autorização e, com isso, frustrar a finalidade constitucional de regular os mercados respectivos com equilíbrio entre a satisfação de certos direitos fundamentais por meio do serviço público e a livre inciativa e a livre concorrência.47
Portanto, o instituto da autorização há que ser analisado conforme seu conteúdo contemporâneo e conforme sua destinação determinada pelo Texto Constitucional. Trata-se de instrumento jurídico de controle estatal de ingresso de agentes em mercados demandantes de regulação, por contemplarem algum tipo de imperfeição. Os requisitos para sua outorga e para sua preservação, por óbvio, devem ser condizentes com sua finalidade e com os direitos gerados em favor dos particulares, o que demanda simplesmente o esquecimento de lições doutrinárias que permanecem repetidas, mesmo sem qualquer supedâneo no mundo jurídico real.
Lapidares, nesse sentido, as seguintes colocações apresentadas por Luisa Torchia:
De um sistema СКАЧАТЬ