Название: Viriatho: Narrativa epo-historica
Автор: Braga Teófilo
Издательство: Public Domain
Жанр: Зарубежная классика
isbn: http://www.gutenberg.org/ebooks/26850
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Viriatho: Narrativa epo-historica
A Alma portugueza caracterisa-se pelas manifestações seculares persistentes do typo anthropologico e ethnico, que se mantêm desde as incursões dos Celtas e luctas contra a conquista dos Romanos até á resistencia diante das invasões da orgia militar napoleonica. São as suas feições:
A tenacidade e indomavel coragem diante das maiores calamidades, com a facil adaptação a todos os meios cosmicos, pondo em evidencia o seu genio e acção colonisadora;
Uma profunda sentimentalidade, obedecendo aos impulsos que a levam ás aventuras heroicas, e á idealisação affectiva, em que o Amor é sempre um caso de vida ou de morte;
Capacidade especulativa prompta para a apercepção de todas as doutrinas scientificas e philosophicas, como o revelam Pedro Julião (Hispano), na Edade Media, Francisco Sanches, Garcia d'Orta, Pedro Nunes e os Gouvêas, na Renascença;
Um genio esthetico, synthetisando o ideal moderno da Civilisação occidental, como em Camões, reconhecido por Alexandre de Humboldt como o Homero das linguas vivas.
O cantor das grandes Navegações foi quem teve a mais alta comprehensão do genio nacional; a ALMA PORTUGUEZA achou no seu Poema a incarnação completa. Quando Camões descreve nos Lusiadas, geographica e historicamente Portugal, referindo-se á tradição da antiga Lusitania, relembra o vulto que symbolisa a sua vitalidade resistente, diante da incorporação romana da peninsula hispanica:
Eis aqui, quasi cume da cabeça
Da Europa toda, o reino Lusitano,
Onde a terra se acaba, e o Mar começa,
E onde Phebo repousa no Oceano.
Esta é a ditosa Patria minha amada,
Esta foi Lusitania.........
D'esta o PASTOR nasceu, que no seu nome
Se vê que de homem forte os feitos teve;
Cuja fama ninguem virá que dome,
Pois a grande de Roma não se atreve.
Deixo … atraz a fama antiga
Que co'a Gente de Rómulo alcançaram,
Quando com VIRIATHO na inimiga
Guerra romana tanto se afamaram.
Tambem deixo a memoria, que os obriga
A grande nome, quando a levantaram
Um por seu Capitão, que, peregrino,
Fingiu na Cerva espirito divino.
No tempo do grande épico ainda se não tinha perdido o conhecimento da relação de continuidade historica entre Portugal e a antiga Lusitania, mais vasta e por isso mais violentamente retalhada pela administração imperial romana. Esse conhecimento, embora confundido com as lendas syncreticas dos falsos Chronicões, influiu na consciencia do nosso individualismo ethnico e nacional. O esforço de desnacionalisação de Portugal pela politica da unificação iberica, veiu até reflectir-se nos proprios historiadores patrios, levando-os a considerar Portugal uma formação recente, adventicia, sem individualidade, e a Lusitania quasi como uma ficção banal dos eruditos da Renascença! Mas o caracter persistente do typo portuguez, a resistencia tenaz contra todos os conflictos da natureza e pressões da vida, que tanto o distingue entre os povos modernos, é a prova manifesta da raça lusitana como a descreveram os geographos gregos e romanos. Nas luctas pela liberdade territorial a Lusitania deixou nos historiadores greco-latinos o ecco da sua resistencia indomavel, sobretudo no Cyclo das Guerras viriathinas, que se reaccenderam ainda sob o commando de Sertorio.
Pela sua genial intuição teve Garrett a comprehensão d'este caracter resistente e soffredor da nossa raça lusitana: «Os Portuguezes são naturalmente soffredores e pacientes: muito arrochada hade ser a corda com que de mãos e pés os atam seus oppressores, antes que rompam em um só gemido os desgraçados. Um murmurio, uma queixa… nem talvez no cadafalso a soltarão! Vendem-nos os desleaes pegureiros de quem nos deixamos governar; vendem-nos, enxotam-nos para a feira a cajado e a latido e mordedella de seus mastins; e nós vamos e nem gememos. Se um clamor de queixumes, se uma voz de desconfiança acaso surde, aqui os clamores de rebeldes, os alcunhas de demagogos… e a nação (o rebanho, direi antes) que se resigna e soffre, e continua a caminhar para o exicio! Tal é, com as differenças de variados nomes e datas, a historia de Portugal quasi desde que a revolução ou restauração (restauração seria?) de 1640 fez da nação portugueza o patrimonio de meia duzia de familias privilegiadas e de seus satelites e parasitos.» (Carta de M. Scevola, 1830.)
Symbolisamos esta resistencia, vivificando o typo de VIRIATHO, reconstruindo poeticamente as situações laconicas referidas nos historiadores classicos; representamos artisticamente essa fibra que ainda hoje pulsa em nós, e pela qual, perante a marcha da Civilisação se affirma através dos cataclysmos politicos a ALMA PORTUGUEZA.
Assuetum malo Ligurem, disse Virgilio (Georg., II, 102) d'essa poderosa raça, de que o Lusitano foi um dos ramos mais activos; as terriveis desgraças que nos têm acompanhado desde a romanisação da peninsula até á subserviencia ingleza, como acostumados ao mal, não nos têm alquebrado: não apagaram a constituição da Nacionalidade, não embaraçaram as iniciativas dos Descobrimentos maritimos; não abafaram a expressão das altas capacidades estheticas. Pela expressão artistica se fixou a lingua portugueza, orgão reconhecido da nacionalidade, cujo sentimento se manteve pela idealisação poetica, em Camões. Seja ainda esse recurso poetico o meio de acordar a consciencia do passado de um Povo, no qual estão implicitos a sua rasão de ser presente, e o ideal do seu destino futuro.
Um dos fins da Arte moderna é a representação da vida dos povos e dos aspectos da natureza dos paizes longinquos, e tambem a evocação das edades passadas, vencendo por este exotismo o apagamento das impressões de tudo quanto nos cérca; assim se inicia a phase esthetica constructiva. Pela evocação da Raça penetra-se o sentir da fibra nacional, e por esta o drama das luctas das Instituições que se fundaram, o vinculo das Tradições, que foram germens e impulsos da missão historica e das creações artisticas que reflectiram a consciencia da collectividade.
I
No anno de DCIII da éra da fundação da Cidade de Roma, sendo Consules L. Licinio Lucullo e A. Postumio Albino, acontecimento inopinado suscitou nos espiritos um extraordinario alvorôço: O Senado fôra convocado repentinamente, com urgencia, sem ser pela fórmula usual de um Edito, mas pela peremptoria chamada nominal ordenada pelo velho e integerrimo Catão, denominado o Censor.
A gravidade do acontecimento forçára por certo o venerando presidente do Senado a simplificar essa fórmula da convocação? Algum grande crime perturbava ou ameaçava o governo da Republica! A curiosidade era immensa, e antecipadamente sabia-se que a voz austera de Marco Catão, o Censor, se ergueria no Senado contra o patricio o mais opulento dos romanos, que dispunha de riquezas bastantes para corromperem os juizes aos quaes se confiasse o seu julgamento.
Galba! era este o nome que soava de bocca em bocca, mais com inveja do que hostilidade, desde que o Tribuno do Povo Aulo Scribonio o citára para comparecer em justiça pelas depredações e carnificinas que praticára contra as Tribus e cidades tributarias da Lusitania, que como Provincia senatorial estava sob a égide da lealdade romana.
Era de um crime contra a magestade do Povo romano, que versava a accusação do Proconsul Servio Sulpicio Galba, ao qual fôra confiado o governo e administração da Hespanha Ulterior, essa parte occidental da peninsula em que se comprehendia a vasta Lusitania. Ninguem se atrevia a pôr em duvida a valentia do tribuno militar, que fôra á Hespanha com a missão especial de combater e submetter СКАЧАТЬ