A Morta. Henrique Lopes de Mendonça

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      Catarina onde está?

      Nos vossos aposentos.

      Vi-a com sua mãe, inda há poucos momentos,

      Entrando para ali.

      Valha-me Deus! A mãe,

      Não a esperava já. Bem sei para o que vem.

      Suspirando.

      Querem roubar-me a esposa, Estêvão!

      Quê? roubá-la?

      Por uns dias somente! Embora! não me cala

      No espírito o projecto. Inda estou noivo…

      Sim?

      Há dois anos casado apenas…

      Quanto a mim,

      O noivado de um velho é como a fruta seca;

      Não tem viço nem cor, mas dura como a breca.

      Mas velho é que eu não sou!

      Cantai-me a palinódia!

      Na vossa idade o amor é já fruta serôdia.

      Por isso quando el-rei, nas fúrias de justiça,

      Lança peias no amor, vós ajudais à missa.

      É que as peias, a vós, há muito que a bisonha

      Natureza as lançou.

      Quê?

      Sois como a cegonha,

      Que não pode comer na escudela da zorra.

      Ruim língua tu tens.

      Que Deus me não socorra,

      Se o que eu digo é mentira.

      Acuda Catarina

      Em defesa do esposo.

      Apenas a fascina

      Um bom pano de Arrás, ou qualquer arrebique,

      Que o judeu lhe vender…

      Pois que não sacrifique

      Um só desejo seu! Quero gastar à larga

      Para adorná-la! Não! que eu tenho à minha ilharga

      A doida mais formosa e mais gentil da corte!

      Que a todos enfeitice a graça do seu porte,

      E que a minha mulher a todas se avantaje

      Na riqueza do adorno e nas pompas do traje!

      Se é tal vosso desejo…

      E mais que o meu: o dela.

      Inda o judeu lá está?

      Pois se não se acautela,

      Arrisca-se a encontrar de noite, pelas ruas,

      Um dos meus aguazis que nas espáduas nuas

      Lhe ensine c’o tagante o caminho de asa.

      O perro bem conhece as ordens. Não se atrasa

      Após o sol poente. À custa de uns açoites,

      Que uma vez apanhou, soube que são as noites

      Nocivas aos judeus, fora da Judiaria.

      Mesma para os cristãos: a noite há de ser fria,

      E Catarina, embora envolta em terciopelo,

      P’ra que há de tiritar, caminho do Restelo?

      Não terá mais calor no leito conjugal!

      Co’a fortuna! Inda falta a permissão real!

      Se el-rei a recusasse!… Eu, só por min, não tenho

      Valor de resistir ao seu veemente empenho.